Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia são, politicamente, os maiores beneficiados com a aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno na Câmara. Mas a oposição não saiu de mãos vazias. Embora derrotada, a esquerda saiu do embate com trunfos relevantes.
O primeiro, mais evidente, foi a diluição da proposta apresentada pelo governo. Demandas importantes levantadas por economistas ligados à oposição foram incorporadas ao texto aprovado. Eis as principais:
- Fim do regime de capitalização, que permitiria ao contribuinte acumular suas contribuições numa conta individual separada e, no longo prazo, extinguiria qualquer possibilidade de déficit na Previdência. Sob o argumento de que a medida favoreceria os bancos – como se bancos não existissem para prestar serviços financeiros à sociedade… –, a capitalização foi excluída da reforma;
- Fim da autorização para que mudanças futuras nas regras previdenciárias não constassem do texto constitucional. A exigência do quórum mínimo de dois quintos das duas casas do Congresso fica mantida, portanto, para quaisquer alterações, mesmo as mais triviais;
- Fim da correção das idades mínimas de acordo com a evolução da expectativa de vida. Será preciso, portanto, fazer novas reformas à medida que a população for envelhecendo;
- Fim da obrigatoriedade de que estados e municípios seguissem as regras de aposentadoria e pensões impostas aos funcionários da União, caso não aprovassem reformas mais rigorosas;
- Fim das mudanças na regras das aposentadorias rurais e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), concedido a deficientes ou a idosos que não comprovem tempo de contribuição.
- Manutenção do tempo de contribuição mínimo de 15 anos para obtenção das aposentadorias tanto por homens quanto por mulheres, ainda que seja doravante exigida a idade mínima;
- Distinção na idade mínima de homens e mulheres para a concessão das aposentadorias, apesar das expectativas de vida distintas;
- Manutenção dos privilégios a categorias consideradas especiais, como professores ou policiais.
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A verdadeira lógica da oposição
As três primeiras alterações terão como consequência a necessidade de uma nova reforma previdenciária em poucos anos. Pelas previsões, ela já deverá começar a ser discutida no próximo mandato presidencial.
As cinco últimas têm impacto nas estimativas de economias aos cofres públicos previstas para os próximos dez anos. De acordo com a estimativa apresentada ontem pelo Ministério da Economia, elas foram reduzidas de R$ 1,24 trilhão para R$ 934 bilhões, apenas para a União.
Esse valor inclui mais de R$ 19 bilhões derivados do aumento dos impostos cobrados dos bancos, tidos como vilões pelos economistas de esquerda. A economia propiciada pela reforma propriamente dita será, de acordo com o governo, de R$ 914 bilhões, bem aquém do trilhão estabelecido como meta pelo ministro Paulo Guedes.
Estimativas menos generosas falam em R$ 830 bilhões (economista Paulo Tafner) ou até menos de R$ 700 bilhões (Instituição Fiscal Independente, organismo ligado ao Senado). Levando em conta que as economias previstas apenas para os estados eram de mais R$ 350 bilhões, o impacto da reforma foi diluído entre 40% e 50%.
A diluição e a preservação das amarras que emperram a Previdência e impedem sua modernização nem foram as principais conquistas da esquerda no embate em torno da reforma.
A principal foi a manutenção de um discurso político consistente. De tanto repetir a mesma ideia na tribuna, parlamentares esquerdistas conseguiram manter na mente de seu público fiel a noção de que a reforma foi feita “contra os pobres” (embora o custo maior recaia sobre os privilegiados do funcionalismo) e de que só a oposição evitou mais mudanças “a favor dos bancos”.
Inútil argumentar que a maior pobreza está na indigência intelectual desse tipo de argumento. Para os partidos de esquerda, como PT, PSOL ou PDT, ele fornece uma estratégia eleitoral comprovadamente eficaz.
Não foi com outro discurso – mas com o mesmíssimo confronto entre “pobres” e “ricos”, “povo” e “elite”, “nós” e “eles” – que o PT venceu quatro eleições, ainda que, uma vez no poder, tenha feito suas próprias reformas na Previdência e adotado medidas de ajuste fiscal cuja necessidade negava na campanha.
+ Zeina Latif: Responsabilidade compartilhada
Tal oposição sempre foi o que a esquerda soube fazer melhor. É com base nessa lógica eleitoral, também, que se justifica a ação de PDT e PSB para punir os 19 parlamentares que se rebelaram contra a orientação partidária e votaram a favor da reforma, simbolizados na pedetista Tabata Amaral.
Tabata pode ter votado com sua consciência e, do ponto de vista individual, sua estratégia tem sentido para uma jovem interessada em construir um novo perfil para a esquerda. Sua posição representaria, porém, um suicídio coletivo para um partido com ambições de vencer uma eleição majoritária, ainda mais no ambiente polarizado em que a política se transformou no Brasil e no mundo.
O governo venceu, mas a oposição, se não conseguiu o que queria, obteve ao menos o possível diante do fracasso recente nas urnas. Continua estridente, delirante e descolada da realidade econômica. Mas viva politicamente.
Fonte: “G1”, 19/07/2019