Não havia solução ótima para o embate entre o governo e os caminhoneiros. Se o governo cedesse à pressão, criaria problemas para a economia; se não cedesse, poderia enfrentar uma greve como a de maio de 2018, com graves impactos para a atividade econômica, o emprego e a renda. O governo decidiu ceder, optando, ao que parece, pela saída de menor dano, qual seja a confirmação da tabela de fretes e o compromisso de fiscalizar o seu cumprimento.
Os caminhoneiros reivindicaram uma intervenção do governo na economia para resolver a situação em que se encontram, a braços com o aumento da oferta de fretes e a contração da demanda por cargas, em consequência da lentidão que se observa na recuperação da economia. A receita de fretes tem-se situado abaixo dos custos em muitos casos, o que se agrava diante das dívidas que assumiram para adquirir seus veículos. Eles exigiram, sob pena de deflagração da greve, um piso mínimo de frete, isto é, de sua renda.
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O fato de o governo ter optado pela menos negativa das saídas não permite esquecer os custos da tabela de fretes, a qual incluiu um componente demandado pelos caminhoneiros, qual seja a sua atualização à medida que for alterado o preço do diesel. Assim, a tabela em si é o primeiro dano da medida. Ela aumentará o custo do frete para a agricultura, a indústria e o comércio, o que tem efeitos perversos na produtividade e na competitividade dos produtos exportáveis.
O segundo dano é a insustentabilidade jurídica da tabela. A Constituição não autoriza esse tipo de intervenção do estado na economia. A irregularidade já havia sido cometida no governo Temer, que instituiu a tabela ratificada pela atual administração. Outro dano advém da contradição entre a tabela e a visão ultraliberal do ministro da Economia. Como justificar essa intervenção para quem defende mercados abertos e balizados pela concorrência?
Há um quarto dano, este a acontecer decorrente da provável desobediência à tabela. Caminhoneiros mais premidos por dívidas e pelos compromissos naturais com suas famílias tenderão a furar a tabela. Dificilmente o governo terá a capacidade de fiscalizar o seu cumprimento nos mais diferentes rincões do país, inclusive por não dispor de pessoal em número e habilidades suficientes para cumprir a tarefa.
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A trégua dos caminhoneiros poderá não ser permanente. Caso constatem a desobediência à tabela, bem como a ausência ou a insuficiência da fiscalização, tenderão a voltar à carga. O apoio que receberam do governo lhes deu a convicção de que comandam um poderoso cartel, capaz de chantagear e impor custos à economia. Bolsonaro e seus ministros precisam preparar-se para a hipótese de nova ameaça de greve.
Fonte: “Veja”, 24/04/2019