O termo “mídia” engana. Ele trata como se fosse uma entidade só o que na verdade são uma série de publicações, estações de rádio, canais de TV e sites pertencentes a diferentes organizações e com diferentes posicionamentos. Nada mais comum do que o sujeito que se irrita com uma manchete em um jornal e demonstra sua insatisfação falando dos males “da mídia”.
Dito isso, há algo que une todos os diferentes veículos de imprensa neste momento: passam por crises simultâneas que no mínimo vão mudar a cara do setor, podendo até matar diversos de seus membros mais importantes.
A crise de fundo é econômica. Com a internet e as redes sociais, acessar, replicar e transmitir informações ficou muito barato e é difícil impedir um usuário de acessar um conteúdo. Primeiro porque as barreiras de cada veículo são falhas; inventa-se um novo sistema de segurança para impedir o acesso de não-assinantes e no momento seguinte encontram um jeito de burlá-lo. Além disso, para todo site que cobra por seu conteúdo existem outros que oferecem as mesmas notícias (redações diferentes dos mesmos fatos) de graça.
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O custo de se produzir informação de qualidade, contudo, continua o mesmo. E então chegamos ao desafio econômico que confronta o setor: como manter uma estrutura de jornalismo profissional para um público que cada vez mais reluta em pagar e quer conteúdo de graça?
O segundo desafio é o de como se recolocar em um mundo cada vez mais polarizado. Isso também é, segundo penso, um efeito colateral de nossa sociabilidade nas redes sociais. Ao invés de nos aproximar, a abundância de informação e a facilidade de replicá-la e moldá-la faz com os grupos se afastem cada vez mais. Nesse processo, toda e qualquer instituição ou pessoa que não reforce a visão do grupo é vista com suspeita. A confiança elementar que nos permite acreditar que não está todo mundo buscando o nosso mal o tempo todo está sendo erodida.
Para completar, o governo brasileiro – seguindo a receita de outros países que também elegeram populistas – agora faz parte da campanha de demonização da mídia. Seja diretamente pelo presidente, ou indiretamente pela militância (que inclusive faz campanha para que pessoas deixem de assinar publicações), o jornalismo profissional está sob ataque.
As críticas raramente são inocentes. Aponta-se uma instância na qual, por exemplo, um jornal reportou um fato de uma maneira um pouco tendenciosa e por isso não é confiável. Ficamos imaginando que essa pessoa deve ter padrões altíssimos de objetividade e imparcialidade na hora de acessar as notícias. Quando descobrimos seus veículos de preferência, contudo – surpresa: são blogs e influenciadores completamente vendidos à narrativa do poder. Acima de tudo, a campanha contra a mídia movida pela militância bolsonarista é uma campanha contra o jornalismo profissional, contra justamente aquilo que nos proporciona informações que vão além da publicidade pró e contra.
Sendo alvo de ataques, a reação mais natural é contra-atacar. O veículo de imprensa que adotar essa postura reativa ao discurso anti-jornalismo do governo estará, na minha opinião, cometendo um erro. Ao mergulhar na polarização, estará dando dando razão a quem antes o acusava de ser tendencioso.
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De uma forma ou de outra, informação de qualidade seguirá sendo essencial para a sociedade. Este é o momento dos jornais primarem mais pelo profissionalismo e pela objetividade. Ao mesmo tempo, têm que ser capazes de mostrar ao público que não estão a serviço “do inimigo”, mas que dentro de suas redações há pessoas dos mais variados matizes ideológicos e políticos trabalhando juntas e com seriedade. Assim pode recuperar aos poucos a confiança perdida. Daí restará apenas a luta pela sobrevivência em face de tecnologias disruptivas. Ninguém disse que seria fácil…
Fonte: “Exame”, 30/05/2019