A viagem a Washington será o primeiro exercício diplomático do presidente Bolsonaro. A visita trará bons resultados para nossas relações com os EUA, com avanços no comércio, no intercâmbio entre as Forças Armadas, na transferência de tecnologia. Um acordo específico viabilizará o uso da Base de Alcântara. O Brasil será proclamado parceiro estratégico extra-OTAN. Os EUA talvez suspendam o veto que impunham à entrada do Brasil na OCDE.
A conversa sobre assuntos políticos internacionais, de outro lado, abordará questões em que há diferenças, por vezes substanciais, entre as posições do Brasil e as dos EUA. Trump procurará cooptar Bolsonaro para o alinhamento com os EUA.
Um tema que possivelmente aflorará será o da transferência de embaixadas em Israel para Jerusalém. Os EUA, que nisso foram seguidos somente pela Guatemala, gostariam de ver o Brasil fazer o mesmo. É importante que o presidente não siga esse caminho, que representaria uma brutal ruptura com 70 anos de posição equilibrada entre Israel e Palestina.
Outro assunto é a China. Os EUA conduzem uma confrontação estratégica com a China. Essa disputa vai além da questão do déficit comercial americano. Inclui disputa pela supremacia tecnológica na introdução da tecnologia 5G na internet. Trump pressiona outros países a impedirem a empresa chinesa Huawei de participar da infraestrutura de 5G em seus territórios. O Brasil não tem motivo para aderir a esse boicote, pois a China , parceira estratégica, é nosso principal sócio em comércio e investimentos, além de nossa companheira no Brics. Não faz sentido adotarmos postura de frieza em face de tão decisiva parceria.
Em relação à Venezuela, há convergência entre Brasil e EUA no apoio a Guaidó . Mas Trump e sua equipe insistem em dizer que “todas as opções estão sobre a mesa”, abrindo a possibilidade de intervenção militar. O presidente deve reiterar a posição brasileira, endossada pelo Grupo de Lima, de oposição ao uso da força — coisa que traria consequências gravíssimas para a paz e estabilidade da América do Sul.
Constam da programação do presidente em Washington contatos com próceres da extrema direita americana, como Steve Bannon, ex-assessor de Trump. O governo Bolsonaro tem conduzido, por fora das trilhas oficiais, uma espécie de “diplomacia ideológica” de extrema direita. O próprio presidente afirma querer aproximar-se preferencialmente de países que comunguem do mesmo ideário. Isso é contraproducente, pois contamina indevidamente as ações de governo propriamente ditas. Não convém uma aproximação do governo brasileiro com forças políticas extremistas. Nossa política externa não pode ser influenciada de fora para dentro por personagens estrangeiros alheios a nossos verdadeiros interesses.
O presidente precisa ter, em Washington, postura que contemple outros horizontes para além do relacionamento com os EUA, por mais importante que este seja. Cumpre preservar espaço para os indispensáveis contatos futuros com as democracias europeias, como Alemanha, França, Reino Unido.
A política externa brasileira deve continuar a ser pluralista e ecumênica. Não cabe delimitá-la exclusivamente a um mesmo grupo ideológico. É importante que a visita a Washington seja exitosa — mas sem que isso crie obstáculos, inibições ou afastamentos em face de outros grandes parceiros, seja na Europa, na Ásia ou no Oriente Médio.
Fonte: “O Globo”, 16/03/2019