Tanto as escolas quanto os resultados dos alunos continuam indiferentes aos quatro anos de aprovação do 3.º Plano Nacional da Educação (PNE) e aos quase 20 anos da aprovação do primeiro deles. Há algo de errado com esses planos. Na verdade, há algo de errado, aliás, com a própria ideia de sua necessidade ou pertinência.
Comecemos pelo último PNE, com a ambição de elevar a 10% do produto interno bruto (PIB) os gastos em educação e com um conjunto de 20 metas e 200 submetas. As únicas que avançaram foram as dos gastos – apesar da redução demográfica. E também em função desses gastos – que em nada melhoram a educação – se aprofundou a crise financeira de Estados e municípios.
Crises como as da corrupção desmedida, do sistema penitenciário, do desemprego, da violência e do transporte sugerem que a crise da educação não é solitária e suas companheiras de infortúnio padecem de uma origem comum: governantes que dão prioridade a seus próprios interesses, apoiados por corporações que aprenderam a tirar partido disso, tendo como pano de fundo uma sociedade cada vez mais apática e intolerante.
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A crise na educação, além de crônica, é parte de uma crise maior e dificilmente será prioridade no futuro próximo, o que compromete ainda mais as esperanças de começar a melhorar – especialmente para os que dela dependem para melhorar de vida. Mas no aniversário de quatro anos do PNE cabe perguntar: por que erramos tanto em educação? E por que continuamos errando, ao perder oportunidades de avançar – como poderia ter sido o caso do currículo e da reforma do ensino médio? Por que não conseguimos tirar proveito da experiência de outros países e das evidências sobre como fazer reformas eficazes no setor?
Vejamos brevemente o que ocorre no resto do mundo. A maioria dos países venceu a guerra da universalização. Mas são poucos os que conseguiram atingir níveis minimamente adequados de qualidade. Mesmo entre os países-membros da OCDE que participam do Pisa, cerca de 40% não atingem as médias consideradas adequadas para os alunos. Ou seja, oferecer educação para todos com um mínimo de qualidade é um desafio não trivial. A maioria dos países e sistemas educativos que implementaram reformas nos últimos 30 anos não conseguiram grandes avanços na qualidade. Menos de 10% conseguiram avanços significativos e sustentáveis.
A fórmula do sucesso tem alguns ingredientes básicos. O primeiro é o foco. Começar pelo começo, assegurando a aprendizagem do que é básico – o que pressupõe um currículo claro, enxuto e focado no essencial. Na prática, isso também significa começar por baixo.
O segundo é estratégico: usar e implementar, de forma rigorosa e consistente, intervenções comprovadamente eficazes e adequadas ao nível de qualidade e gestão em que se encontra determinado sistema escolar – seja local ou nacional. Nesses dois níveis a gestão, isto é, a consistência e o controle das ações pedagógicas, é essencial.
O terceiro ingrediente é evoluir em função dos resultados – não de planos ou quimeras. Normalmente, o passo seguinte consiste em reduzir as diferenças no desempenho das escolas. Isso conquistado, parte-se para avanços mais arrojados – um cenário já bem conhecido entre os especialistas e muito semelhante, apesar da diferença de culturas, em países e sistemas educativos de sucesso.
Em paralelo, as reformas de sucesso compartilham duas outras características: investir em sistemas de informação que permitam melhor supervisão e coordenação e estabelecer estratégias de longo prazo para melhorar o plantel de professores e gestores. A existência e o sucesso dessas duas estratégias permitirão dar saltos de qualidade.
O Brasil prefere a rota do fracasso, a fórmula do espetáculo, do grandioso, das novidades, das bases curriculares grandiloquentes, da conectividade, do “fora da universidade não há salvação” – enfim, do pão e circo. Na falta de pão, o brioche. E tudo para amanhã. Ou, no máximo, nos dez anos do ciclo de vida de um PNE!
Apenas para dar uma ideia concreta do fosso que separa as estratégias que adotamos no Brasil das adotadas pelos países que se encontram na trilha do sucesso: nenhuma das metas do PNE se encontra entre os ingredientes de sucesso adotados nos países que conseguiram dar saltos de qualidade de maneira consistente. Se levarmos em conta a evidência disponível sobre o impacto potencial das várias metas do PNE, mesmo que todas elas fossem implementadas nada sugere que haveria aumento significativo de qualidade na educação. Mas uma coisa é certa: os custos dobrarão.
Mesmo os países com melhor nível de desempenho e sucesso em suas reformas ainda se encontram diante de desafios de equidade e qualidade. Apenas metade dos alunos dos países da OCDE alcançam o nível III do Pisa, ou seja, são capazes de compreender um texto sobre temas familiares, e apenas 29%, textos complexos e não familiares. No melhor deles, a Finlândia, 42% dos alunos alcançam esse nível.
Não será tentando cumprir as metas do PNE ou implementando a desconjuntada e mirabolante Base Nacional Curricular Comum que vamos melhorar a educação. Também não será com o discurso melífluo de “mais recursos”, “valorização dos professores”, ou com os bilionários e inócuos projetos centralizados do Ministério da Educação. Nos últimos 20 anos, nenhum deles conseguiu bons resultados.
Dentre as condições associadas às reformas bem-sucedidas no mundo da educação há um fator catalisador: a liderança, capaz de identificar os problemas de forma adequada, alinhar as soluções compatíveis e assegurar as condições para avançar e sustentar os avanços. Em ano de eleição, seria bom saber se algum candidato a presidente ou governador tem esse perfil.
Fonte: “Estadão”, 03/07/2018