O país está sendo trapaceado à luz do dia por aqueles que deveriam representar os cidadãos brasileiros, deputados e senadores. O Congresso, que havia começado a recuperar sua credibilidade junto à opinião pública liderando o projeto de reformas do Estado, dilapida seu patrimônio em reconstrução adotando medidas em benefício próprio, sem debates com a sociedade.
Quase à surdina, um projeto de reorganização da legislação partidária e eleitoral foi aprovado na Câmara, e está a ponto de ser votado no Senado, num ritmo sumário que, mais uma vez, impede o amplo debate.
Entidades de combate à corrupção, como a Transparência Partidária, fizeram estudos e divulgaram um documento alertando para os prejuízos que esse projeto pode trazer.
Mais dinheiro público está prestes a ser gasto, se aprovado esse projeto, que permite o pagamento de advogados para políticos acusados de corrupção com dinheiro público; permite o pagamento de advogado em processo de “interesse indireto” do partido; permite o pagamento de passagens aéreas com recurso do Fundo Partidário para qualquer pessoa, inclusive não filiados.
As multas por desaprovação das contas só podem ser aplicadas se ficar comprovada conduta dolosa, ou seja, intencional. Em conseqüência, as prestações de contas ainda não transitadas em julgado em todas as instâncias serão anistiadas.
Para facilitar as coisas para nossos candidatos a parlamentar, pessoas físicas poderão pagar despesas de campanha com advogados e contadores sem limite de valor, o que abre margem para caixa dois e lavagem de dinheiro público.
O combate à corrupção também sofre com o projeto em outro nível, pois retira as contas bancárias dos partidos dos controles da Receita Federal de Pessoas Politicamente Expostas. Quem será mais exposto politicamente que os partidos políticos?
A permissão de que partidos utilizem sistemas diferentes para prestação de contas demonstra a intenção de dificultar a fiscalização. A padronização das declarações, implementada em 2017, não será mais obrigatória.
Qual a razão para isso, a não ser impedir a comparação e a verificação mais eficiente das prestações de contas dos partidos políticos?
Outro ponto da lei que terá conseqüências diretas e indiretas no controle dos candidatos aptos a concorrer: eles poderão disputar a eleição sub judice, e a avaliação da regularidade da candidatura ocorrerá só na data da posse. O que certamente causará uma disputa judicial que gerará parlamentares atuando com pendências judiciais.
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Ao mesmo tempo em que diminui as obrigações dos partidos, o projeto aumenta as responsabilidades da Justiça Eleitoral que, como se sabe, não tem estrutura para acumular mais funções.
Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) de enviar para a Justiça Eleitoral processos da Lava-Jato tidos não como crimes comuns, mas eleitorais, como o Caixa 2, já levantaram discussões sobre o tema.
O projeto transfere mais responsabilidades para o TSE e para os TREs: passa a ser da Justiça Eleitoral a responsabilidade pela gestão dos dados dos filiados aos partidos; impede que a Justiça Eleitoral peça aos partidos documentos emitidos pela Administração Pública ou por entidade bancária; determina que a penalização a diretório municipal ou estadual só pode ser aplicada se a Justiça Eleitoral comprovar que notificou o diretório superior; cria novo recurso com efeito suspensivo, estimulando o acúmulo de processos no TSE e esvaziando o poder dos tribunais regionais eleitorais.
Num momento em que o país está literalmente quebrado, chega a ser escandaloso que as campanhas eleitorais exijam quase R$ 4 bilhões dos cofres públicos no próximo ano. Muitos cortes terão que ser feitos para que os partidos políticos recebam essa verba pública.
Não satisfeitos com o pretendido aumento do fundo eleitoral, os parlamentares ampliam as possibilidades de utilização do fundo partidário a ponto de transformá-lo praticamente em financiamento de caráter pessoal.
Fonte: “O Globo”, 15/9/2019