E o presidente Michel Temer vai terminando de forma melancólica o seu mandato. Começou com uma desastrada decisão de autorizar reajustes variados a categorias de servidores, termina com mais uma autorização de reajuste, desta vez para o STF, no total de 16,38% com esta “tribuna alta”, demagogicamente, abrindo mão do “auxílio moradia”. Ou seja, os “doutos” juristas, que já recebiam R$ 33 mil, vão agora a R$ 39 mil. Vem aí mais um efeito cascata, com várias categorias demandando os mesmos direitos. Bom, não estamos aqui para falar de mais uma tungada no erário público. Faremos uma análise sobre o que foi Michel Temer no poder.
Foram quase 32 meses no Palácio do Planalto e, interessante, se no saldo das decisões políticas e dos escândalos o quadro não foi dos melhores, na gestão econômica até que se saiu relativamente bem, claro que limitado pelas crises políticas que se sucediam. Importante destacar, Temer teve alguns méritos na área econômica e o seu saldo final não foi dos piores.
Formou uma equipe econômica de alto nível e, embora com estes demagógicos reajustes salariais dados, conseguiu apresentar resultados bem promissores. Sim, porque ele herdou um cenário de “terra arrasada”. O déficit público era explosivo, a dívida tinha dado um salto, a inflação batia os 10%, a taxa de juros era bem elevada e o câmbio rompia os R$ 4.
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Convocou Henrique Meirelles para a Fazenda, expert em formar boas equipes. Foi chamando vários economistas gabaritados, começando por Ilan Goldfajn, então economista-chefe do Itaú, para o BACEN, passando por Mansueto de Almeida, Eduardo Guardia, Pedro Parente e depois Ivan Monteiro para a Petrobras, dentre outros. Lembremos que os dois primeiros nomes, inclusive, foram convidados por Paulo Guedes para continuar (Mansueto aceitou, Ilan não).
Ilan conseguiu derrubar a inflação de forma bem menos traumática, pois a economia já estava no chão quando ele assumiu. Sem demanda pressionando, a inflação foi derretendo, até chegar ao patamar dos 4% atuais em 12 meses. Isso abriu espaço para um processo de redução da taxa Selic, de 14,25% a 6,5% anuais.
Em paralelo, foram sendo desmontadas as várias políticas contra-cíclicas herdadas da gestão Dilma. Os R$ 430 bilhões em recursos repassados pelo Tesouro ao BNDES, e depois aos bancos públicos comerciais, foram sendo devolvidos, assim como necessário foi o desmonte das políticas cambiais, calcados na oferta de contratos de swap, com inevitável custo fiscal.
Na agenda de reformas necessárias, no início bem ambiciosa, a realidade política, polarizada e conturbada, acabou se impondo, revertendo o que precisava ser feito. Ao fim, só passou a Trabalhista, assim mesmo sem mexer com as várias “jabuticabas” de direitos trabalhistas que, em algum momento, terão que ser alterados. O pontapé inicial da reforma da Previdência também entrou na agenda e, embora urgente, novos escândalos sobre o presidente Temer acabaram minando sua possibilidade de aprovação. No fim, o que poderia passar ainda neste ano, a idade mínima, acabou também adiado, já que nem Jair Bolsonaro tem certeza sobre sua inevitabilidade. Aqui vai uma observação. A reforma que Bolsonaro defende nem de longe se assemelha a de que Paulo Guedes acha necessária. Deve ser bem mais branda do que se imagina, com o presidente jogando a explosão da dívida da Previdência para os próximos governantes.
O que deveria ser feito, não o será, como a necessária unificação dos regimes, dos servidores e do INSS, o fim dos penduricalhos em várias categorias do setor público, com especial atenção para os militares, um repensar sobre o modelo atual, de participação, já saturado pelo envelhecimento da população, a definição de uma idade mínima possível, dentre outros. O que se ouve Bolsonaro “balbuciar” é a mudança da idade mínima, sem retirar os “direitos” como dos militares. Isso…nem pensar.
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Por fim, não poderíamos deixar de falar da PEC 95 do “teto das despesas”, um avanço institucional considerável, se olharmos para o que se faz no mundo. Apenas para recordar, esta PEC estipulou que as despesas só podem avançar no mesmo patamar da inflação acumulada em 12 meses até julho do ano em análise. Despesas com saúde e educação não seriam sacrificadas, mas remanejamento de recursos acabariam sendo inevitáveis para manter estas no seu ritmo. Numa primeira fase, esta PEC terá a duração de 20 anos, depois podendo ser revista.
O fato é que regras fiscais vão sendo adotadas, já sendo uma realidade na União Europeia, nos Estados Unidos, no Canadá e em vários outros países. Nós começamos em 1999, depois de pressões do FMI, com a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Novo Regime Fiscal, estipulando metas de superávit primário ao fim do ano, nos estertores do governo FHC. Estas foram respeitadas no limite até meados do segundo mandato do ex-presidente Lula, abandonadas, em parte, pela “presidenta” Dilma. Na Zona do Euro as metas fiscais seguem como um arcabouço institucional necessário para sustentar a convergência macro da região. Temos o Tratado de Maastrich, de 1992, estipulando a dívida pública até 60% do PIB e o déficit nominal até 3%. Algumas nuances devem ser destacadas, por estas metas serem mais flexíveis, ao envolverem vários países, se diferenciando nas margens fiscais. São políticas cíclicas obedecendo os momentos de bonança e crise, nas primeiras com superávits perseguidos e usados para sustentar as segundas.
O Brasil parece estar no caminho certo. Já são 11 regras criadas nestes quase 20 anos. Avanços foram conquistados, retrocessos inevitáveis no ciclo PT. Dilma foi uma que deixou as metas estourarem. Tudo bem. Tivemos a crise do subprime em 2008 e políticas adicionais acabaram inevitáveis. Na Europa a dívida dos países mais frágeis explodiu, passando em alguns casos de 100% do PIB, agora vão sendo ajustadas aos poucos.
A impressão que se tem é que a necessária “normatização” de regras, tanto na política monetária, pelo Sistema de Metas de Inflação e reuniões periódicas do Copom, como na fiscal, com os tetos das despesas, a Lei de Responsabilidade, relatório bimensais de despesas e receitas, dentre tantos, se mostram essenciais para disciplinar os “operadores econômicos”, tornando cada vez mais transparente e previsível as politicas adotadas. Não dá mais para viver da discricionariedade do passado. Quanto mais transparente e previsível for uma política adotada, mais fácil será amortecer possíveis choques externos.