De um sistema quase exclusivamente estatal, passou-se a permitir, desde 1990, uma cada vez maior participação do capital privado no setor de portos. Em adição, desde 2013, com a Nova Lei dos Portos, terminais privados puderam movimentar cargas de terceiros. Os chamados portos públicos, como Santos e Paranaguá, mantêm a autoridade portuária sob controle estatal, mas os terminais são privados. Na mesma tendência liberalizante, o governo anunciou recentemente a intenção de privatizar as Companhias Docas.
Graças a isso, a movimentação de contêineres pulou de 1,4 milhão em 1998 para 6,1 milhões em 2018. No mesmo período, a movimentação passou de 5 para 80 unidades por hora. Desde 2010, o tempo médio de permanência de um navio no porto caiu 25%. Ainda assim, há sérias deficiências no setor. De acordo com o ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial, nossa infraestrutura portuária alcançou a 105.ª colocação, num total de 140 países. Estima-se que seriam necessários investimentos de R$ 3,5 bilhões anuais até 2036 para concluir os projetos considerados essenciais ao setor. Isso implica mais do que quadruplicar os investimentos atuais.
Mas, para atrair o capital privado, é necessário criar condições menos hostis. Em larga medida, os problemas do setor portuário não diferem dos que têm afetado o investimento em infraestrutura de forma geral. Participantes do setor reclamam da falta de estabilidade regulatória, da insegurança jurídica e de mudanças de regras em geral, embora haja algumas especificidades. Como este espaço é pequeno para detalhar os problemas, seguem dois exemplos que ajudam a ilustrar a insegurança regulatória por que passa o setor.
Mais de Raul Velloso
“O teto de gastos é uma âncora para a política macroeconômica”
Divulgar corretamente é crucial
Longe do fundo do túnel
Quando um importador opta por fazer o desembaraço aduaneiro num recinto retroalfandegado, o terminal portuário cobra deste último por um serviço denominado Serviço de Segregação e Entrega (SSE), pois incorre em custos para executar a operação. Pois bem, a Antaq, órgão regulador do setor, entende que a cobrança é legítima. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), contudo, interpreta – erroneamente, a meu ver – que a cobrança do SSE prejudica a concorrência e, por isso, deveria ser proibida. A consequência tem sido a judicialização do caso, gerando perda de receitas e insegurança jurídica para os investidores.
O segundo exemplo refere-se a 2016, quando o governo obrigou os exportadores a “escanear” todos os contêineres com destino à Europa, obrigando os terminais portuários a, “sem ver nem para quê”, arcarem com o ônus de prover esse novo serviço, algo que contraria a lógica econômica simples.
Além de maior estabilidade regulatória e garantia de respeito a contratos, é necessário dar maior autonomia para os terminais portuários definirem preços e serviços. Para construir um terminal portuário, o investimento é bilionário, e o capital só virá se houver oportunidade de recuperá-lo.
É importante lembrar que a concorrência entre portos e intraportos (somente em Santos há quatro terminais de contêineres em operação) tem sido ampliada em decorrência de importantes modificações pelas quais o setor vem passando. Com o aumento da carga conteinerizada e da capacidade de navios, reduziu-se o número de linhas. Isso acirrou a competição entre terminais para atrair a escala de um navio. Nesse ambiente de maior competição, a flexibilidade para definir preços e tarifas pode ser determinante na viabilidade econômico-financeira dos projetos. Por esse motivo, para que se consiga atrair mais o capital privado, é hora de reduzir a regulação estatal e aumentar o papel do mercado na regulação de preços e serviços do setor portuário.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 12/9/2019