A formatação de sistemas políticos e partidários é fruto de escolhas que sociedades fazem ao longo da sua história. Essas escolhas se dão por tentativa e erro, com adaptações e correções de potenciais problemas que vão sendo identificados por gerações futuras.
O sistema político brasileiro é conhecido pela grande permissividade de suas regras eleitorais. Uma combinação de representação proporcional com lista aberta em distritos de grande magnitude, que tem estimulado a inclusão dos mais variados interesses da sociedade no jogo político, gerando assim fortes incentivos para a criação de muitas legendas partidárias. A escolha por esse sistema inclusivo foi uma resposta aos efeitos negativos dos partidos regionais oligárquicos da Primeira República decorrentes do voto distrital majoritário.
Entretanto, os partidos, na grande maioria, não têm sido veículos de agregação ideológica ou mesmo programática, mas fundamentalmente organizações políticas que unem interesses eleitorais. Daí porque os eleitores terem tanta dificuldade de identificá-los e diferenciá-los entre si.
Atualmente, 30 partidos ocupam pelo menos uma cadeira na Câmara dos Deputados. A fragmentação é alta mesmo quando a medimos a partir do número efetivo de partidos (NEP), que leva em consideração não apenas o número de siglas partidárias, mas também o tamanho do partido em relação ao total de cadeiras do Parlamento e às demais bancadas partidárias. E, portanto, considera também a dispersão/concentração do mercado partidário. Entre 1989 e 2010, por exemplo, o NEP ficou em torno de 9, passou para 13 em 2014 e pulou para mais de 16 partidos em 2018, tornando o Brasil a democracia presidencialista mais fragmentada do mundo.
Mais de Carlos Pereira
O Brasil mudou, só cego não vê
Candidatura avulsa: ter ou não ter?
Afinal, quem manda?
A decisão da Suprema Corte permitindo a mudança de legenda sem a perda de mandato do parlamentar como decorrência da criação de um novo partido também tem contribuído para a criação de novas legendas e o aumento da fragmentação. Além disso, a criação dos fundos eleitoral e partidário também gerou estímulos à fragmentação, pois a possibilidade de acesso e de controle desses novos recursos públicos tem incentivado políticos a querer ter um partido para “chamar de seu”.
Diante desta pletora de partidos políticos, duas grandes reformas foram implementadas recentemente visando ao enxugamento do sistema: a cláusula de desempenho, que já teve início nas eleições de 2018, e o fim das coligações proporcionais, que terá início nas eleições municipais de 2020.
A cláusula de desempenho estabelece que o partido obtenha ao menos 1,5% dos votos válidos nas eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação (9 unidades), com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas, para ter acesso ao Fundo Partidário e ao tempo gratuito de TV e rádio de propaganda eleitoral. Nas eleições de 2022, a exigência de desempenho eleitoral será ainda maior, de 2%.
Nas eleições de 2018, 14 partidos não conseguiram cumprir tais exigências da nova legislação. Mesmo que esses partidos ainda recebam recursos do Fundo Eleitoral em anos de eleições, dificilmente terão condições de sobreviver, pois terão que concorrer em desigualdade de condições em função de terem perdido acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e televisão.
Portanto, é esperada uma redução no número absoluto de partidos políticos com a fusão/extinção de legendas que não tenham alcançado o desempenho mínimo nas últimas eleições. Entretanto, pelo menos no curto prazo, a cláusula de desempenho tende a não ter o mesmo efeito de diminuir os partidos mais relevantes, que continuarão a ser numerosos mesmo com a ocupação relativamente menor de cadeiras no Legislativo.
Dessa forma, embora o sistema partidário possa parecer mais enxuto, o presidencialismo brasileiro continuará fragmentado, necessitando de um presidente que saiba montar e gerenciar coalizões com partidos efetivos para ter condições de governar.
Fonte: “O Globo”, 20/1/2020