Um post recente de Guilherme Hirata, no Blog do IDados, apresenta evidências importantes para avaliar os custos e benefícios da prova de redação no ENEM. Os dados técnicos mais detalhados estão lá. Concentro-me aqui nas principais implicações.
Começo pelas conclusões. Primeiro, a redação acrescenta pouquíssima informação além do que dizem as outras notas – sabemos disso pelo elevado nível de correlação entre a nota de redação e a das demais provas. Para quem não domina estatística: isso significa que as notas de redação variam de forma muito semelhante às notas das demais provas. Portanto, não acrescenta nenhuma informação.
Segundo, no mundo real, a nota do ENEM só faz diferença para quem disputa uma vaga nas universidades competitivas. Isso representa uma pequena fração dos 6 milhões de concorrentes do exame, e uma fração ainda menor dos que são efetivamente selecionados. No caso desses candidatos, a nota da redação do ENEM não acrescenta praticamente nenhuma informação nova. Podemos prever essa nota com alto índice de probabilidade de acerto com base nas outras provas “objetivas”.
Uma forte razão para a prova de redação seria a de melhorar o ensino de redação e a capacidade de escrita dos alunos. Também seria de se esperar que, escrevendo melhor, os alunos teriam melhor desempenho na compreensão de texto, e, portanto, se sairiam melhor na prova de Linguagens (para usar o esdrúxulo termo adotado pelo INEP).
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Ora, depois de anos de implementação dessa ideia, não se observa melhoria nem nas notas da redação nem nas notas de Língua Portuguesa – as flutuações são mínimas ao longo dos anos. Portanto, podemos concluir com segurança que a prova de redação não levou a um melhor ensino da redação nem a uma melhoria no desempenho dos alunos em Língua Portuguesa. Esta conclusão é válida mesmo levando em conta que as notas da redação não são comparáveis ano a ano – trata-se de uma inferência a partir das outras notas que deveriam ter sido influenciadas por uma eventual melhoria na habilidade de redigir (que, supostamente, reflete uma melhor habilidade de raciocinar).
Se não há boas razões para manter a prova de redação, há inúmeras razões para sugerir a abolição da mesma.
A primeira delas refere-se aos custos – muito elevados (cerca de 150 milhões de reais por ano) -, sendo que o processo de correção também concorre para atrasar ainda mais a devolução das notas.
Segundo, já que não aprendemos a ensinar redação durante todos esses anos, será melhor usar esse tempo para ensinar coisas que os professores conseguem ensinar.
Terceiro, a redação que serve para o ENEM só serve para o ENEM. Ela gera poucos outros benefícios para os indivíduos – portanto, é pura perda de tempo. Finalmente, a redação se presta ao controle ideológico e induz o ensino, desde as séries iniciais, a disseminar a ideia que todos devemos ser capazes de resolver os complexos problemas sociais da humanidade, em vez de ajudar os alunos a ter ideias claras a respeito daquilo que leem.
O país está quebrado. Esta é uma boa hora para começar a fazer economia, cortando as coisas inúteis e concentrando esforços e recursos nas coisas essenciais.
Fonte: “Veja”, 13/02/2019