Há um consenso de que o debate da quinta-feira passada, na Bandeirantes, foi morno. Saímos decepcionados. Há pelo menos mais seis no horizonte. Para não ficarmos reclamando depois deles, cabe perguntar: o que exatamente ficou aquém do desejado?
Uma crítica comum a debates ou entrevistas com candidato é que faltou discussão de “propostas”. Faltou esmiuçar em detalhes os planos do candidato para a segurança pública, para o SUS, para a habitação, para o orçamento.
Eu não acho que o problema esteja aí, e por dois motivos: o primeiro é que nenhum candidato sabe, em detalhes, o que fará em cada área —conhecimento altamente técnico e cuja engenharia não caberá a ele— e, mesmo que soubesse, não diria.
Qualquer plano tem pontos fracos; tornar público um projeto detalhado que, no momento, ele não tem a autoridade para implementar, abre o candidato a críticas fáceis de todos os lados que só diminuiriam sua força.
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O segundo motivo pelo qual um debate não é um palco adequado para a discussão pormenorizada de políticas públicas é que nenhum de nós assistiria a cinco minutos disso.
Ninguém —exceto quem é da área— tem interesse e conhecimento para acompanhar os números, fatos e detalhes sobre um tema qualquer, por mais importante que ele seja.
O candidato que cita números em sua fala o faz somente para dar a impressão de que domina o tema, e mesmo aí tem que cuidar para ser breve porque a atenção do ouvinte é fugaz. No mais, quem realmente quer discutir ou entender medidas não assiste um debate oral; vai ler um livro ou artigo.
Se o debate tem relevância, é porque ele nos dá algo que está além do texto escrito, além de ideias e propostas; ele nos mostra pessoas. Afinal, é sempre bom lembrar que não votamos em ideias. É a pessoa que estará na urna, e é essa pessoa que terá o poder de tomar decisões sem ter que seguir nenhuma proposta de campanha.
Se tem uma coisa para a qual o debate serve é apresentar a personalidade e o temperamento do candidato: como ele se sai sob pressão, como lida com o conflito, se se coloca acima ou abaixo de seus adversários.
Por baixo das intenções republicanas, torcemos por uma boa briga. Nesse sentido, a arquitetura dos debates atuais é contraproducente: ao delimitar tempos precisos para as falas de cada um transforma o evento numa sequência de pequenos monólogos, quase sem diálogo ou discussão reais.
Interrupções, provocações, rapidez na resposta, linguagem corporal, uso do espaço; o modelo atual de debate foca no conteúdo e despreza esse lado da política.
Isso não quer dizer que o conteúdo seja irrelevante. É verdade que ninguém deveria esperar ali discussões profundas de políticas públicas; mas podemos esperar ao menos que cada candidato nos apresente a direção geral na qual quer mover o país.
Uma liderança tem que ser capaz de pintar uma visão de futuro que se conecte com os anseios da população. Como será o Brasil que o candidato deixará? Qual será seu legado, sua marca? Quais os sentimentos e imagens que associaremos a seu projeto?
A retórica e o símbolo são mais poderosos que a lógica. O candidato precisa conquistar o eleitor para um sonho e mostrar-se apto a concretizá-lo. Se passamos três horas na frente de uma tela assistindo a um debate, não é para ouvir dados ou aprender fatos; é para torcer e, quem sabe, se inspirar.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 14/08/2018