O debate eleitoral costuma ser pautado por um misto de preferências ideológicas, inclinações partidárias e conveniências políticas. Candidatos até apresentam programas de governo, mas ninguém costuma levá-los muito a sério na hora de votar. Não deveria ser assim.
Os problemas reais persistem, à revelia da propaganda dos marqueteiros ou das fabulações que infestam as redes sociais. O país está num momento decisivo de sua história. A eleição de outubro definirá, como nenhuma outra, o destino das próximas gerações brasileiras.
Não se trata de uma escolha banal entre esquerda e direita, social e moral, povo e elite, atraso e retrocesso. A complexidade da sociedade brasileira atingiu um ponto que desafia não apenas todos os discursos pré-fabricados do passado – sejam eles de matriz marxista, liberal, conservadora ou autoritária –, mas a própria estabilidade das instituições criadas pela Constituição de 1988 para mediar nossos conflitos.
Tragicamente para nosso futuro, nunca o debate político brasileiro pareceu estar tão distante dos problemas reais. O espírito fútil e agressivo das redes sociais tomou conta das ruas, do mundo acadêmico, do Parlamento e tirou até do Supremo Tribunal Federal qualquer dignidade que pudesse haver no adjetivo “egrégio”, tão usado para qualificá-lo.
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Não podemos nos enganar: política não é teatro. Um erro no diagnóstico será fatal. O Brasil não pode correr mais uma vez o risco de cair no conto de fadas dos vendedores de ilusões. Teremos anos duríssimos adiante. É preciso ao menos atravessá-los no rumo certo.
Um quadro sumário dos nossos desafios começou a ser apresentado pelo projeto Panorama Brasil, uma iniciativa conjunta do Insper e da consultoria Oliver Wyman, capitaneada pelos economistas Ana Carla Abrão, Marcos Lisboa e Vinicius Carrasco.
A maior de todas as tragédias é que nada – rigorosamente nada – surpreendeu na primeira das seis apresentações previstas para o projeto, realizada na semana passada. Todas os fatos são arqui-conhecidos, assim como nossa capacidade reiterada, crônica, contumaz, teimosa mesmo, de negá-los, nossa toleima ao lidar com eles.
Em suma, o Brasil conseguiu nas últimas duas décadas melhorar a renda da população, tirar 17 milhões da pobreza e até reduzir a desigualdade – mas não num ritmo substancialmente melhor que os demais países emergentes ou que nossos pares na América Latina. Nos últimos anos, o crescimento parou e começamos a andar de ré.
O principal motivo para isso – e esta é a palavra-chave a ter em mente para avaliar qualquer proposta de governo – é a produtividade. Ela estagnou. Não se trata de um problema exclusivo do Brasil. Produtividade é um conceito lábil, que assume características próprias em cada ambiente econômico. Costuma ser associada a alta tecnologia, genética nos campos e robôs nas fábricas.
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Aqui no Brasil, a improdutividade tem raízes mais modestas. O relatório do economista Flávio Machado, do Insper, atribui sua estagnação a seis fatores: 1) baixa qualidade da educação; 2) da infra-estrutura; 3) da gestão pública; 4) da privada e do ambiente de negócios; 5) restrições que emperram o crédito; 6) mercado fechado ao comércio exterior.
Cada um deles merece uma análise detida e propostas de governo concretas, para as quais as evidências estatísticas compiladas por Machado oferecem apenas uma primeira aproximação. A principal virtude do relatório dele é pôr o foco nos problemas reais. A solução, de acordo com a proposta do projeto, deve ficar a cargo dos políticos e resultar do debate eleitoral.
Deve ser simples cotejar cada um dos itens esmiuçados com os programas de governo que os candidatos serão obrigados a apresentar nos próximos meses. Embora isso com certeza possa contribuir para uma escolha mais informada, é ingênuo acreditar que será suficiente para encaminhar as soluções.
Programas de governo, todos sabemos, não passam de cartas de boas intenções. A maior de todas as realidades brasileiras – que passa ao largo da análise proposta pelos economistas – é nossa insistência em fugir dos problemas. Não chegamos até onde estamos à toa. O Brasil insiste nas ilusões que querem brincar de esconde-esconde com os fatos, enquanto eles, renitentes, preferem brincar de pega-pega.
Fonte: “G1”, 30/04/2018