No Brasil, virou chavão a ideia de que “aqui, os partidos não contam”. O sentido deste artigo é apontar para um caso ao qual cabe prestar atenção, por servir de exemplo.
A corrupção tem se revelado um câncer que devastou os maiores partidos. Sendo os principais entre eles, o PT, o PMDB, o PSDB e o PP foram os mais afetados pelas denúncias referentes às “delações da Odebrecht”. Sem entrar no mérito acerca do grau de confiabilidade delas, uma vez que há indícios de que ali se misturaram “alhos e bugalhos”, com níveis diferenciados de responsabilidade e de comprovação, é um fato que, aos olhos da opinião pública, o sistema partidário se assemelha a um corpo em decomposição.
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Paralelamente, são muitos os casos de troca de partido, em que um político se elege por A, passa para B e acaba disputando a reeleição por C, como se diz popularmente, “trocando de partido como quem troca de camisa”. Siglas envolvidas em denúncias de todo tipo de irregularidade e com eleitos que representam, a rigor, interesses muitas vezes escusos, são parte do mesmo enredo que levou ao descrédito nosso sistema político.
Entretanto, se queremos corrigir isso, não precisamos olhar para além das fronteiras: aqui no país temos o caso de um estado onde alguns dos principais políticos passaram incólumes pelos escândalos dos últimos anos e se conservaram fieis aos seus partidos, entendendo que o eleitorado local pune quem muda de vinculação partidária. Estamos falando do Rio Grande do Sul. De fato, o estado tem se notabilizado, desde a redemocratização da década de 1980, de um modo geral, por duas coisas:
1) uma certa tradição, representada emblematicamente por Pedro Simon, mas que conta com uma longa lista de personalidades, de zelo pela coisa pública e de vocação de atuação em favor do próximo, com um profundo senso ético; e
2) a ausência de trocas partidárias das personalidades mais importantes.
Se aqueles partidos citados foram maculados pela presença de indivíduos cuja imagem diante da opinião pública, em matéria de moralidade, é a pior possível — com o RJ sendo pole position nesse descalabro —, no Sul é possível citar representantes conhecidos de vários partidos, sem que nenhum deles tenha tido a sua reputação manchada por denúncias. Muitos podem questionar as posições de líderes do PT gaúcho como Tarso Genro, Raul Pont, Olívio Dutra ou Paulo Paim, mas mesmo seus críticos mais duros jamais ousariam acusá-los de ter botado dinheiro alheio no bolso. O PMDB, tão desgastado nacionalmente, a nível local tem sido veiculado historicamente a nomes muito respeitáveis como homens públicos, tais como o citado Simon, Nelson Jobim ou Germano Rigotto. O PSDB foi tradicionalmente mais fraco entre os gaúchos que nacionalmente, mas hoje está associado a uma liderança jovem e renovadora como o atual governador Eduardo Leite. E o PP, mesmo tendo muitos nomes expostos negativamente no noticiário desde a época do “mensalão”, foi no Sul marcado positivamente pelo exemplo da liderança, inatacável do ponto de vista moral, da ex-senadora Ana Amélia.
Ao mesmo tempo, todos esses nomes são de políticos que, tendo tido a oportunidade de migrar de partido para se livrar da pecha que incidia sobre a agremiação à qual cada um pertencia, conservaram sua filiação. Não dá para imaginar Tarso Genro no PSB, Pedro Simon no PDT ou Ana Amélia no PSDB. Há coerência na atitude desses representantes, porque o Sul tem “eleitores do PMDB” ou “eleitores do PT”, da mesma forma que os EUA têm eleitores que se consideram e são, tradicionalmente, democratas ou republicanos.
O fato de as contas do RS terem chegado a uma situação péssima, ao mesmo tempo, sugere que os problemas brasileiros vão muito além da corrupção e da falta de representatividade dos partidos e se relacionam com práticas fiscais da pior qualidade. É um ponto sobre o qual vale a pena pensar, para evitar análises simplistas sobre nossa realidade nacional, que é complexa.
Fonte: “O Globo”, 27/8/2019