Um filósofo social do século XXI escreveu uma vez que os homens fazem sua própria história, mas não a fazem conforme a sua própria vontade, e sim condicionados pelas circunstâncias que os cercam, pelo contexto político, econômico e social que é o deles, segundo a força do meio, do legado do passado, em grande medida forçados pelas condições nas quais estão imersos, limitados pelos recursos disponíveis, e atuando em conformidade com a inteligência de que são capazes. Não sei se ele disse exatamente isso, com palavras semelhantes, ou similares, mas é algo próximo disso que esse filósofo procurou expressar, numa obra que se tornou clássica, de análise política sobre a transição entre dois regimes, o primeiro, uma república periclitante, insegura, confusa, quase anômica, o segundo, um regime marcado por tendências autoritárias, personalistas, talvez populistas.
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Eu não costumo ser dramático inutilmente, não gosto de abusar das palavras, mas creio que todos concordarão comigo que o Brasil atravessa um dos piores momentos de sua história, nos quase duzentos anos de sua independência como nação, como Estado soberano. Eu não me refiro à recessão econômica, à maior crise de nossa trajetória republicana, um desarranjo econômico formidável, que nada tem a ver com uma alegada crise internacional, e sim foi construída inteiramente no Brasil, pela inépcia administrativa extrema, pela inacreditável corrupção a que fomos levados pelos governos que nos precederam até pouco tempo atrás. A Grande Destruição, que é como eu designo esse período negro de nossa história, foi totalmente produzida pela organização criminosa que comandou aos destinos da nação entre 2003 e 2016.
Não, eu não me refiro a essa tremenda crise econômica, que ainda vai exigir muitos anos de duro trabalho de reconstrução, para tentar recompor as bases essenciais de funcionamento de nossa econômica. Eu me refiro, mais exatamente, à terrível crise moral que alcançou todos os poros da nação, à deterioração ética que se disseminou pelo tecido social e que percorre e impregna todos os estratos da sociedade, mas que atingiu sobretudo as chamadas elites do país, aparentemente todas elas corruptas.
Este é o mais grave momento que atravessa o Brasil, e eu não costumo ser leviano com as palavras. Meus argumentos são em geral sóbrios, ainda que incisivos. Creio que nesta hora devemos nos unir em torno de três coisas: do Brasil, como nação, da racionalidade, como instrumento analítico, do Itamaraty enquanto ferramenta de ação. Devemos reconstruir as bases de funcionamento do país, ou o Brasil vai continuar sua lenta trajetória em direção do pântano da nossa desesperança, sua caminhada para a mediocridade econômica, para o declínio moral, e para o fracasso, como sociedade e como nação.
+ Gustavo Franco: Liberalismo tropical
Nosso dever, neste momento, é o de ver claro quais são os desafios principais, para poder fazer um diagnóstico realista sobre nossa verdadeira situação, para depois empreender o duro caminho da reconstrução do país, uma tarefa que é sobretudo moral. Permito-me citar aqui as palavras de um estadista, a quem coube conduzir a nação numa das horas mais perigosas para a preservação de sua soberania: “O sucesso nunca é definitivo; o fracasso não é fatal; é a coragem de continuar que conta.”
Vamos nos unir e lutar: primeiro, para ajudar a reconstruir o país; depois para manter nossa racionalidade em face de tantos desafios; em terceiro lugar, para preservar o Itamaraty enquanto instrumento de nossa ação coletiva.
Fonte: “Diplomatizzando”, 27/06/2018