Com Mauricio Palma Nogueira
De um lado, organizações internacionais propõem a taxação do consumo de carne bovina em razão do carbono emitido pela pecuária de corte. Não faltam acusações de que a pecuária é causa direta e quase exclusiva do desmatamento, prejudica o clima e consome água em excesso.
Do outro, passou despercebida a notícia que a Indonésia, quarto país mais populoso do mundo, com 260 milhões de habitantes, vai abrir seu mercado de carne bovina para o Brasil. O país consome só 3 kg/habitante/ano e não quer depender apenas da carne cara da Austrália ou da carne de búfalo de baixa qualidade da Índia. Ocorre que a grande maioria das pessoas do planeta quer consumir mais carnes, e o Brasil tem lugar central para satisfazer esse desejo.
É fato que a pecuária ocupa 20% da superfície do país, o dobro da área usada pela agricultura. Por isso o uso da água e as emissões de gases de efeito estufa são proporcionalmente maiores, o que coloca os bovinos sob intenso tiroteio.
Mas é preciso considerar a verdade dos fatos e as grandes mudanças que estão acontecendo nesse setor.
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O cálculo dos altos volumes de carbono emitidos pelos bovinos está correto. Mas há um erro crasso na estimativa do balanço do ciclo de vida da atividade, que desconsidera o sequestro (captura) de carbono pelas pastagens e a grande quantidade de carbono retida e incorporada pelos capins no solo. Incapaz de consumir toda a quantidade disponível, os bovinos retiram apenas de 30% a 40% do que é produzido nas pastagens. O restante volta ao solo e se junta às raízes, reciclando todos os nutrientes do material, inclusive o carbono.
Há ainda uma controvérsia em relação ao potencial de aquecimento global dos diferentes gases —principalmente em relação ao cálculo do metano emitido pelos bovinos—, cujas emissões estariam sendo superestimadas na metodologia atual.
Em sistemas com pastagens mais produtivas e maior desempenho animal, a incorporação de carbono pelas pastagens neutralizaria o que é emitido pelos bovinos. Pesquisas recentes da Embrapa enriquecem a base de conhecimento sobre tema, derrubando a crença comum de que a pecuária seria necessariamente emissora líquida de carbono.
Já a associação da pecuária com o desmatamento baseia-se na história da ocupação do território. Durante meio século a falta de infraestrutura e versatilidade da criação de gado fez a pecuária ser a única alternativa viável para colonizar as áreas de fronteiras. Não é mais o caso.
Entre 1990 e 2016, a área de pastagens caiu de 190 milhões para 165 milhões de hectares, entregando 25 milhões de hectares para outros usos. No mesmo período, o rebanho bovino aumentou 40%, e a produção de carne bovina duplicou. A tese do desmatamento causado pela pecuária não faz mais sentido, ainda que ele ainda ocorra como exceção, e não como regra.
O uso da água também compõe o arsenal de ataques à pecuária. Quando se diz que a pecuária usaria 15 mil litros de água por kg de carne produzida, nunca se esclarece que 99% desse volume vem das chuvas que caem sobre pastos, que retornam para a atmosfera pela chamada evapotranspiração do sistema solo-planta. As plantas são verdadeiros dutos, pelos quais a água está sempre subindo das raízes até as folhas, que transpiram e devolvem essa água para a atmosfera, à semelhança do que ocorre nas florestas.
O fato é que o Brasil é um dos melhores lugares do mundo para produzir gado a pasto, pois temos maior abundância de sol, clima favorável, água de chuva e tecnologia. É claro que há grandes disparidades na pecuária brasileira e bastante ainda a melhorar. Mas os ganhos de produtividade e a tendência de intensificação sustentável da pecuária são inquestionáveis.
Eficiência produtiva com sustentabilidade é o caminho, e o Brasil tem os instrumentos para tanto.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 17/02/2018