Se os planos de saúde fossem o desastre que pintam, o tema não teria a visibilidade que tem. Eles não são, e a melhor prova disso é que estão entre os três grandes sonhos de consumo do brasileiro. Em números, as operadoras autorizam mais de 1,5 bilhão de procedimentos todos os anos, e em São Paulo, onde se concentra a maior parte dos titulares de planos de saúde, em 2017, foram distribuídas menos de 20 mil ações. Quer dizer, a imensa maioria dos procedimentos são autorizados pelos planos e os pacientes recebem o atendimento sem qualquer tipo de problema.
Existe erro? Casos em que a autorização é negada indevidamente? Sem dúvida nenhuma. Da mesma forma que existem médicos que dão dois recibos para o cliente receber o reembolso integral do valor da consulta, quando ele é maior do que o reembolso do plano. Assim como existe segurado que empresta a carteirinha para um parente ou amigo ser atendido sem pagar, como se fosse ele.
Mas o tema aqui não são fraudes ou o mau atendimento, que sem dúvida encarecem os planos, porém não interferem no conceito do produto. O conceito dos planos de saúde privados está previsto na Constituição de 1988 e é o atendimento suplementar da saúde pública. Quer dizer, a iniciativa privada pode atuar suplementando, mas não assumindo a oferta, as obrigações e os direitos da saúde pública. Esta é prerrogativa intransferível do Estado e é oferecida à população através do SUS (Sistema Único de Saúde), uma boa ideia que, como tantas outras, na prática, não funcionou.
O nó do problema está aí. O governo não oferece serviços da saúde pública em quantidade e com a qualidade sonhadas pelos constituintes. Ao contrário, menos de 40% dos poucos recursos destinados à saúde dos brasileiros saem dos cofres públicos. Mais de 60% são injetados pelas operadoras de planos de saúde privados, que atendem apenas 25% da população.
Esta distorção, que é sistematicamente esquecida, é a responsável primária por todas as mazelas e mal-entendidos que afetam o atendimento da saúde do brasileiro. Na cola dela vem a Lei dos Planos de Saúde Privados, uma das piores leis votadas no País, que impede que o assunto seja tratado com o pragmatismo necessário. E, para fechar o quadro, há uma forte dose de demagogia e má-fé por parte de políticos e outros interessados no assunto.
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Não estou defendendo as operadoras, nem afirmando que são vestais. Ao contrário, como em todo lugar, tem gente boa e gente ruim, o que, indubitavelmente, exige uma normatização criteriosa e uma severa fiscalização de suas operações.
O setor de saúde privado, em 2017, faturou R$ 180 bilhões, dos quais 85% foram destinados ao atendimento dos segurados. Ou seja, apenas 15% dos recursos custearam as despesas administrativas, comerciais, tributos e resultado das operadoras. A consequência é que uma grande parte das operadoras não tem escala, nem recursos para manter o atendimento de seus clientes e devem entrar em colapso rapidamente.
Para tentar prolongar a vida do sistema, as operadoras vão se adaptando como podem e a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) tem agido no sentido de permitir essa adaptação.
O último movimento que gerou uma gritaria sem sentido foi a chegada ao mercado de planos com coparticipação do segurado, ou franquia. Nada que não seja cópia do que é feito nos Estados Unidos. E foram desenvolvidos com dois objetivos: permitir que o segurado pague uma prestação menor e diminuir os custos das operadoras, além de reduzir as fraudes.
Importante frisar que esses planos não são obrigatórios, nem vão substituir os já existentes. Quem quiser contrata, quem não quiser fica com o que tem. É apenas mais uma alternativa oferecida para quem não quer ficar na fila do SUS, mas não tem recursos para bancar um plano tradicional, cujos custos são altíssimos, em função da medicina não ter relação com a inflação e, no Brasil, mais de 80% dos insumos e equipamentos serem importados e pagos em dólares, cuja valorização este ano já passou dos 17%.
Fonte: “Estadão”, 09/07/2018