Tiros num evento político são sempre algo preocupante e que deve ser investigado com diligência. É temerário fazer previsões agora, e a natureza irracional do crime dificulta dizer se foi, como parece ter sido, obra de um manifestante anti-PT raivoso, ou algum outro motivo (um igualmente desequilibrado manifestante pró-PT tentando elevar o partido à condição sagrada de vítima?).Está bem claro que não se tratou de um atentado contra Lula; parece que ninguém foi mirado, e o atirador deu apenas quatro disparos nos ônibus da caravana que transportavam jornalistas e convidados. Mesmo assim, tiros disparados em público são atos de consequências potencialmente letais e que não podem passar impunes.
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Vivemos, infelizmente, tempos de polarização, nos quais a agressão moral ou mesmo física contra os adversários políticos é vista como virtude. Isso só se torna possível por uma mudança de mentalidade: aqueles que ocupam o outro lado do espectro político deixam de ser vistos como interlocutores legítimos – pessoas que, ainda que equivocadas, buscam o bem do país – e passam a ser vistos como verdadeiros inimigos, desejosos de promover o mal.
É uma profecia autorrealizável. Se eu vejo meu adversário como um inimigo a quem é lícito atacar, então ele estará correto em me ver – de fato – como um inimigo que procura seu mal, e vice-versa.
As palavras iniciais do governador de SP Geraldo Alckmin foram um tanto insensíveis à gravidade do fato. Custava ter condenado de imediato o ocorrido, deixando claro o caráter inaceitável da violência na política? Ao mesmo tempo, o que ele disse é verdadeiro: o PT colhe o que plantou.
O PT cresceu promovendo o ódio de classe, de raça e de gênero como estratégia política. Jurava defender as mais nobres intenções enquanto seus opositores representavam os interesses inconfessáveis de elites exploratórias. Quando foi revelado que, por trás do discurso ético, protagonizou o maior esquema de corrupção da história deste país (feito não para enriquecer pessoas físicas, e sim para dominar perpetuamente toda a sociedade), dobrou a aposta. Desde então, as investigações são parte de uma conspiração contra o PT e contra Lula.
Esses dias acompanhamos também a revolta de defensores do PT com a série “O Mecanismo”, lançada no Netflix. Ainda farei uma resenha da série, mas aqui basta apontar que não foi só a versão fictícia de Lula a quem foram atribuídas coisas que o Lula real não disse. Aécio, Temer e outros também não saem bem na foto. E, no entanto, ninguém ficou revoltado com a maneira com que foram retratados; mesmo quem votou em Aécio em 2014.
Lula se elevou para acima do bem e do mal na cabeça de seus seguidores fanatizados. Seguidores que em um momento ficam indignados com a violência dirigida ao PT, mas em outro aceitam felizes o pedido de Lula que a PM dê “um corretivo” a manifestantes lhe jogaram ovos. Ao mesmo tempo, demonizou toda a oposição, recebendo o ódio de parte expressiva (e cada vez maior) da população.
Eu, pessoalmente, sou contra inclusive atos menores de violência política contra figuras públicas, como jogar ovos ou hostilizar em local público. Tenho consciência, contudo, de que as paixões humanas existem e que o grosso da sociedade jamais irá se pautar estritamente pelas regras da razoabilidade e da civilidade. Sendo assim, os líderes têm uma enorme responsabilidade em mãos: esfriar, e não estimular, as paixões violentas e divisivas da população, mesmo que isso traga algum custo eleitoral de curto prazo. Se todos se comportam assim, a sociedade tem harmonia e paz, e todos ganham.
Lula sempre fez o contrário: embora seja, em sua conduta enquanto político, pragmático e não-ideológico, em sua persona pública ele faz questão de intensificar as divisões da sociedade. Joga o bem social no fogo em troca de um benefício eleitoral. Infelizmente, essa lógica está sendo cada vez mais copiada, e é difícil encontrar um jeito de quebrar o ciclo. Que encontremos uma solução antes de alguma tragédia real! Quem semeia polarização, colhe violência.
Fonte: “Exame”, 29/03/2018