A polarização política e ideológica, isto é, a crescente divisão da sociedade em grupos bem delimitados e que não se toleram, é negativa para a ordem social. Em uma sociedade polarizada, o governo carece da cooperação interna necessária para funcionar direito, e sabotar o lado contrário se torna mais importante do que agir em conjunto para atingir um objetivo partilhado.
Cada lado se fecha em suas posições, ficando assim imune a correções e sujeito a exageros e erros; a confiança de que depende a ordem institucional é colocada em risco conforme cada lado viola as regras do jogo tanto quanto possível, na expectativa de que o outro lado fará a mesma coisa; abole-se a concepção de bem comum, substituído pela guerra de uns contra outros; e, por fim, a própria convivência entre as pessoas se degenera, com discussões, brigas e maus sentimentos tomando uma parte maior do nosso tempo.
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A polarização é um subproduto de nosso instinto tribal. Somos, na maior parte do tempo, animais individualistas. Em certos contextos, no entanto, priorizamos o coletivo e objetivos comuns. Essa capacidade coletiva (que não está presente em nenhum outro primata) é o que permite cooperação em larga escala, mesmo entre pessoas sem nenhum parentesco, e que nos dá um sentido de comunidade.
Por outro lado, a manutenção da identidade coletiva exige a identificação de um grupo inimigo contra o qual se contrapor, seja uma torcida de futebol, seja uma militância partidária. Estamos na mentalidade da tribo.
A política desperta em nós esse mecanismo, que acaba sendo usado por líderes dos diferentes campos para levá-los ao poder. Nesse jogo, nossas crenças, valores e propostas, em vez de estarem sujeitos à reflexão individual, buscam apenas reproduzir nossa identidade tribal.
Além disso, ser um expoente purista e total dos símbolos da tribo confere status dentro dela. Apresentar uma visão matizada e mesmo com alguma crítica gerará má vontade do grupo e tende a isolar o sujeito.
Isso tudo sempre existiu, mas parece estar piorando. Um vilão comumente citado são as redes sociais, e não duvido que elas turbinem nossa tendência gregária ao mesmo tempo em que fragmentam as referências. Mais do que nunca, cabe a cada um limitar suas piores tendências.
Um passo decisivo se dá no momento em que a polarização blinda a mente do indivíduo desqualificando fontes de informação contrárias (“mídia golpista”, “fake news”) e justificando moralmente a intransigência.
Daí ela deixa de ser algo a se lutar contra e se torna um dever e até um motivo de orgulho. Quem vota no PT gosta de bandido. Quem vota no PSDB odeia os pobres. Em ambos os casos, demoniza-se a essência do interlocutor, que deixa de ser um interlocutor legítimo. A partir daí, a coisa só pode piorar.
Não dominamos ainda mecanismos sociais para frear a polarização (e provavelmente em pequenas doses ela seja positiva). Do ponto de vista individual, vale sempre reforçar algumas atitudes básicas: lembrar que os grupos humanos, ainda que ideologicamente antagônicos, se comportam de maneiras similares: o outro lado não é maléfico e nem o seu concentra todo o bem. Provavelmente há o que aprender com eles.
E, por fim, quando você está mais convicto de que sua atuação política é uma guerra do bem contra o mal, é aí que você se presta de degrau voluntário à ascensão de lideranças inescrupulosas a ponto de jogar o bem comum ao fogo para garantir seu próprio sucesso.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 17/04/2018