* Por Ubiratan Jorge Iorio e Leandro Roque
É extremamente raro — se não inédito — ver um político reconhecer que seu governo errou.
Sem dúvida, o simples fato de um político reconhecer que o governo falhou já é um avanço. Só que isso nem sequer deveria ser necessário.
O conhecido aforismo em latim “errare humanum est” já deixa manifesto que o erro é inerente ao — e inseparável do — ser humano. Sendo assim, a menos que um político esteja implicitamente sugerindo que os governantes estão acima dos comuns mortais (não duvide disso), um reconhecimento de erro acaba sendo redundante. É claro que os políticos se equivocam: o sobrenatural seria se eles não errassem.
No entanto, vale enfatizar que o aspecto mais relevante do “erro político” não é que ele exista, mas sim as consequências que ele acarreta.
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Quando um indivíduo qualquer se equivoca, os custos e os prejuízos vinculados ao seu erro são arcados por ele próprio. A responsabilidade individual consiste exatamente em aceitar as consequências de nossas ações, em não culpar os outros por nossas falhas, e em não descarregar nem culpas nem ônus sobre terceiros inocentes.
Na teoria econômica, com efeito, criou-se o termo “externalidades negativas” para descrever custos que são arcados não pelo indivíduo que as produziu, mas sim por terceiros.
Já os políticos, por sua vez, são inteiramente capazes de transferir o custo de seus erros para todo o conjunto da população, de modo que eles próprios acabam muitas vezes escapando ilesos.
No final, quem são os grandes prejudicados pelos fiascos das políticas implantadas pelo governo senão a própria população?
A lista
Eis uma lista de erros clássicos que, embora cometidos por políticos e seus governos, são inteiramente arcados pela população.
a) A política de congelar o preço dos combustíveis, obrigando a Petrobras a vender para as distribuidoras gasolina e diesel abaixo do preço pelo qual foram importados, destruiu o capital da estatal, causando um prejuízo de aproximadamente R$ 60 bilhões. (Valor este que, diga-se de passagem, é muito maior do que o desviado pela corrupção na estatal).
Para compensar este estrago, o governo teve de elevar os preços dos combustíveis, fazendo com que eles sigam batendo recordes quase que diários. Quem arcou com tudo isso?
b) A política de crédito subsidiado concedido pelos bancos estatais para grandes empresas não apenas foi inerentemente inflacionária, como ainda distorceu todo o mercado de juros e piorou a situação fiscal do governo.
No final, quem arcou com o aumento de preços, com os juros mais altos e com a elevação de tributos para reequilibrar as contas do governo?
c) A política de crédito subsidiado para a compra de imóveis, além de também ser inerentemente inflacionária, gerou um forte aumento nos preços dos imóveis, inclusive dos mais populares.
Quem arcou com o aumento dos preços dos imóveis (o que gera maior endividamento para a aquisição da casa própria) e, em vários casos, acabou tendo de viver de aluguel ou mesmo sendo forçado a morar em barracões?
d) A política de aumento contínuo dos gastos públicos gerou um explosivo déficit orçamentário e um grande aumento na dívida pública. Tamanha deterioração das contas do governo levou ao aumento de impostos, afetando empregos e investimentos. Quem arcou com tudo isso?
e) A política de obrigar geradoras e transmissoras de energia elétrica a baixar suas tarifas na marra inviabilizou vários investimentos destas, e consequentemente obrigou as distribuidoras a recorrer ao mercado de curto prazo, cujos preços são muito maiores. Assim, as distribuidoras tiveram de comprar caro e revender barato, pois o preço da revenda estava congelado pelo governo.
Como consequência, as distribuidoras ficaram desabastecidas e endividadas, e tiveram de ser socorridas pelo Tesouro (nossos impostos). O montante repassado chegou a R$ 39 bilhões e as tarifas ao consumidor dispararam 80%, ficando muito mais caras do que antes da intervenção. Quem arcou com tudo isso?
f) A política de criar agências reguladoras serviu para criar uma reserva de mercado para os grandes empresários já estabelecidos, protegendo-os de eventuais concorrentes (veja aqui a lista de agências reguladoras e como elas afetam a livre concorrência).
Isso impediu que houvesse uma maior oferta de serviços no mercado, assim como preços mais baixos e produtos de maior qualidade. Quem arcou com tudo isso?
g) A política de aumento generalizado das tarifas de importação — para proteger o grande baronato industrial e os poderosos sindicatos dos trabalhadores dessas indústrias — ajudou a encarecer sobremaneira os preços de vários bens de consumo, além de ter tornado a indústria nacional mais ineficiente. Quem arcou com tudo isso?
h) A política de encargos sociais e trabalhistas encareceu artificialmente a mão-de-obra e, com isso, não apenas impediu que os salários fossem maiores, como ainda empurrou 44 milhões de pessoas para a informalidade. Quem arcou com tudo isso?
Nós somos os responsáveis solidários
Tendo arrogado para si próprios um poder quase absoluto para decidir sobre nossas vidas e economias, os políticos, ao cometerem erros, detêm o benefício de converter a sociedade em responsável solidária por seus erros.
Aquilo que no livre mercado seria considerado inaceitável e motivo de acionamento judicial — as ações de um indivíduo repercutirem adversamente sobre um outro que não é obrigado a arcar com elas —, torna-se a regra quando o envolvido é o estado: os erros dos políticos se transformam estruturalmente em um fardo compartilhado por todo o conjunto da sociedade.
Sim, os políticos e governantes erram porque são seres humanos; porém, e à diferença de todo o resto dos seres humanos, eles não assumem a responsabilidade pelos erros gerados por suas próprias decisões. Ao contrário: eles conseguem transferir as consequências de seus erros para outras pessoas que não deveriam ser obrigadas a arcar com este ônus.
Isso, e nada mais do que isso, é a síntese da política estatal: uma maciça socialização dos prejuízos imposta sobre o conjunto de cidadãos inocentes por um grupo de pessoas irresponsáveis que se arrogam a autoridade de governar a todos — inclusive governar aqueles que não votaram neles e que não aprovam suas políticas.
Fonte: “Mises Brasil”,19/01/2018
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