Quem assiste aos debates dos candidatos do Partido democrata à presidência dos Estados Unidos – com as virtuosas exceções de praxe – sai com a impressão de que o capitalismo, um sistema de organização econômica que transformou aquele país na nação mais próspera do planeta, num intervalo curto de 150 anos, precisa ser repensado, revisado e, principalmente, replanejado em novas bases – de acordo com as subjetividades, idiossincrasias e clarividência de seus críticos, claro. Para esses valentes, mexer em instituições centenárias seria algo simples e indolor, como trocar de roupa. Tal tese é uma rematada loucura que, se levada a cabo, provavelmente comprometeria o progresso e o bem estar norte americanos por décadas.
Um dos mal-entendidos mais difundidos sobre o capitalismo é a ideia de que ele teria sido projetado por alguém. Parte disso pode ser atribuída ao papel fundamental de Adam Smith na explicação do processo de mercado, então emergente. A referência comum a Smith como “o pai da economia moderna” pode levar as pessoas a supor que ele, de alguma forma, criou o sistema que tão bem descreveu.
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No entanto, como Hayek explicou, o modelo de mercado não foi realmente “projetado” ou “criado”, mas evoluiu da interação e descoberta humanas. Semelhante à linguagem, a economia de mercado não foi idealizada por um único indivíduo ou grupo, mas evoluiu por um longo período com base nas interações de muitas pessoas. As regras e instituições formais que sustentam uma economia de mercado funcional surgiram e foram se desenvolvendo através do tempo, com base nessas interações.
Instituições como a propriedade privada ou regras como o respeito aos contratos não foram paridas da cabeça de algum intelectual, mas evoluíram através do tempo com base nos costumes e cultura dos povos – essencialmente dos povos ocidentais. Smith não inventou a divisão do trabalho ou a vocação dos seres humanos para as trocas de bens e serviços. Ele simplesmente descreveu a infinita capacidade dessas interações voluntárias, desde que deixadas livres, de gerar riqueza e prosperidade.
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Essa noção de uma ordem espontânea derivada das ações individuais de milhões de pessoas, bem como a emergência de regras e instituições que facilitarão o progresso contínuo dessa ordem, talvez sejam o aspecto mais importante do capitalismo. Ao contrário do socialismo, cujo fulcro está em impor às pessoas regras e instituições, de cima para baixo, independentemente de sua conformidade com a natureza ou os desejos humanos, a ordem de marcado emerge das nossas virtudes e vícios. Tal como as normas do direito consuetudinário, as principais regras e instituições (formais e informais) que facilitam a operação dos mercados são descobertas à medida que – e da maneira como – interagimos uns com os outros. Em outras palavras, são o resultado das tradições, dos costumes e da cultura dos povos.
Não é outra a razão por que quebras abruptas ou alterações radicais nessas regras e instituições, não raro provocadas pela arrogância desmedida (e muitas vezes fatal) de alguns, como bem resumiu Hayek, costumam provocar não apenas revoltas, mas principalmente pobreza e penúria.