Na interpretação mais generosa, Flávio Bolsonaro atravessou a rua de vontade própria, só para escorregar numa irresistível casca de banana que lá estava a espreitar a sola de seu sapato, pedindo para ser pisada.
Juridicamente, o pedido de sua defesa para o Supremo Tribunal Federal (STF) suspender a investigação acerca das movimentações suspeitas de seu ex-assessor Fabrício Queiroz, que somaram R$ 1,2 milhão ao longo de 12 meses, é uma manobra frequente para aqueles que detêm foro privilegiado em virtude do cargo. Politicamente, é tão-somente um desastre.
Nem Flávio nem seu pai, o presidente Jair Bolsonaro, são alvos da investigação. A tentativa de suspendê-la foi preventiva, diante de um pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) para acessar todas a movimentações financeiras dele desde 2007.
O argumento usado pela defesa usa pretextos clássicos para protelar casos na Justiça. Primeiro, a defesa diz que, no dia em que foi feito o pedido, 14 de dezembro passado, Flávio já era senador eleito, portanto detentor da prerrogativa de ser investigado apenas sob a supervisão do Supremo. Segundo, que todas as provas devem ser anuladas, pois o MP-RJ pediu as informações diretamente ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), sem autorização do juiz competente.
O primeiro argumento é frágil, já que Flávio foi diplomado apenas no dia 18. Oficialmente, a diplomação é o ato que configura a obtenção de todos os direitos e deveres inerentes ao cargo. O segundo pode ter lá seu mérito, mas o remédio jurídico é simples. No máximo, a obtenção das provas válidas demorará um pouco mais.
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Apesar de ter votado em maio passado pela restrição do foro privilegiado apenas a atos cometidos no exercício do mandato e em virtude dele, o ministro Luiz Fux, plantonista do STF, atendeu à demanda da defesa, numa decisão provisória que deverá ser reavaliada pelo relator, ministro Marco Aurélio, depois do final do recesso do Judiciário.
A decisão de Fux foi contestada não apenas por políticos de oposição, mas por figuras como o procurador Deltan Dallagnol, estrela da Lava Jato, a advogada Janaína Paschoal, aliada de Bolsonaro na eleição, e até mesmo pelo Movimento Brasil Livre (MBL), expoente da nova direita conservadora que sustenta o governo.
Não é de todo estapafúrdia, apenas cautelosa. Diante de uma situação ambígua – Flávio já tinha direito ao foro quando o MP pediu seus dados bancários? –, Fux preferiu esperar que o tribunal arbitre a questão.
A ambiguidade deriva de uma brecha que o próprio STF abriu na decisão de maio sobre o foro privilegiado. Tomada para evitar sobrecarga e as manobras protelatórias de políticos que entulham o STF, ela acabou por criar espaço para mais uma pirueta jurídica.
Quem decide quando um ato foi cometido no mandato e em virtude dele? Pela decisão de maio, o próprio Supremo. Todo processo de instâncias inferiores, com um pouquinho de astúcia dos advogados, estará doravante sujeito ao questionamento. Para obter a resposta, será obrigado a tomar o “elevador judicial” rumo a Brasília. O tribunal deveria criar um mecanismo para acabar com mais essa brecha protelatória.
Ninguém pode criticar a defesa de Flávio por tentar usar, em favor de seu cliente, uma brecha que o próprio Judiciário abriu. É isso que advogados são pagos para fazer. É até bom que o caso tenha aberto uma oportunidade para o STF tapar o buraco que escavou.
Se a questão jurídica poderá estar resolvida em breve, a situação política do novo governo se complica a cada dia. Flávio e Queiroz já faltaram a depoimentos (este, registre-se, com a justificativa de tratar um câncer) e deram todo tipo de declaração desastrada sobre o assunto.
O próprio presidente Bolsonaro se encarregou de incluir seu nome no caso, ao afirmar que um cheque de R$ 24 mil de Queiroz que caíra na conta da primeira-dama Michelle era uma das parcelas do pagamento de um empréstimo.
Um caso aparentemente trivial, que poderia ter sido esclarecido rapidamente se todos os envolvidos se esforçassem para isso, acabou ganhando contornos de escândalo, o primeiro do novo governo.
Ao levá-lo para o STF, Flávio já contratou semanas de manchetes: haverá manifestação da Procuradoria-Geral da República, novas decisões dos ministros e todo tipo de fato jurídico para chamar a atenção da imprensa e da população. A história não acabará tão cedo.
Por que, se deve ter noção disso, Flávio aceitou a manobra de seus advogados? Pode ter sido apenas um erro político, movido pela atração fatal que as cascas de banana exercem sobre as solas de certos calçados. Ou pode ser mais que isso. Até ontem, apenas ele, seu círculo mais próximo e seus advogados davam atenção a sua movimentação financeira desde 2007. Hoje, o Brasil inteiro está curioso.
Fonte: “G1”