Escândalos de corrupção atingiram os três últimos presidentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) — Ricardo Teixeira, José Maria Marin e Marco Polo Del Nero —, os três últimos presidentes da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) — Nicolás Leoz, Eugenio Figueredo e Juan Ángel Napout —, os três últimos presidentes da Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf) — Jack Warner, Jeffrey Webb e Alfredo Hawit — e os dois últimos presidentes da Federação Internacional de Futebol (Fifa) — João Havelange e Sepp Blatter. O esporte a que assistimos embevecidos na Copa do Mundo foi gerido, nas últimas décadas, por corruptos de dar inveja ao departamento de propinas da Odebrecht. A cada cartola que caía, derrubado por um escândalo (Teixeira, Warner), ou se retirava discretamente na iminência de ser flagrado (Havelange, Blatter), outro assumia o lugar, prometendo limpar a sujeira, moralizar a gestão, inaugurar uma nova era no futebol — para depois recair na mesma roubalheira de sempre. “Em vez de reparar o dano feito ao esporte e a suas instituições, rapidamente se envolviam nas mesmas práticas ilegais que haviam enriquecido seus antecessores”, escreveu o procurador americano Evan Norris na denúncia do caso que transformou os Estados Unidos numa improvável estrela do futebol mundial em 2015, o Caso Fifa.
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O atual presidente da Fifa, Gianni Infantino, o suíço poliglota do mesmo cantão de Blatter, cuja calva tem aparecido ao lado de dignitários do mundo todo nos camarotes VIP da Copa do Mundo, foi eleito graças ao mesmíssimo clientelismo. “Independentemente da língua que falava, simplesmente prometia comprar votos usando os poderes incríveis de geração de caixa do esporte mais popular do mundo, como Blatter fizera antes dele, e Havelange antes disso”, escreve o jornalista Ken Bensinger, do BuzzFeed, no recém-lançado Red card (Cartão vermelho). “O lucro não precisava de tradução; apesar dos escândalos e da promessa de reforma, o organismo que governa o futebol ainda se organiza em torno do oportunismo financeiro.” O dinheiro da Fifa, dizia Infantino aos delegados, “é o dinheiro de vocês”.
O livro de Bensinger é o relato mais completo dos escândalos do futebol desde que o brasileiro Havelange, o alemão Horst Dassler, da Adidas, e o publicitário britânico Patrick Nally criaram o financiamento por meio da venda da exclusividade na audiência e no patrocínio.
“A história do futebol moderno é a do surgimento de um novo negócio, que traz a corrupção embutida desde o nascedouro”, escreve.
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A narrativa corre no passo de um romance policial, em que os investigadores americanos montam, ao longo de cinco anos, um caso sólido com a ajuda de delatores, como o americano Chuck Blazer ou o brasileiro J. Hawilla — ambos já morreram, embora Bensinger só mencione a morte do primeiro. Começa com a controvérsia que cercou a decisão de realizar Copas na Rússia e no Catar, esmiúça os argumentos jurídicos que permitem comparar o futebol à Máfia, detalha os casos contra todos os cartolas citados no primeiro parágrafo deste texto e culmina no julgamento dos acusados, numa investigação que ainda não acabou.
Bensinger também ajuda a responder à questão essencial que ronda o futebol: por que o esporte é tão corrupto? A resposta repousa naquilo que os economistas chamam de “problema do compromisso”. Mais que uma questão de ordem moral, a propina se tornou um artifício que garante aos empresários previsibilidade nos negócios, num ambiente institucional em que o poder está fragmentado entre 207 federações nacionais — e Montserrat, atol vulcânico do Caribe com 5.200 habitantes, tem o mesmo peso que o México, com 125 milhões. O suborno atende a interesses dos dois lados. Financia a vida de luxo do cartola caribenho, enquanto garante às empresas de marketing que não haverá competição pelo direito aos campeonatos, portanto o preço será inferior ao que resultaria de um leilão livre e transparente. Sobra menos dinheiro para desenvolver o futebol — e mais para o bolso dos cartolas.
Fonte: “Época”, 05/07/2018