Por trás do caos na infraestrutura de transportes, dá para observar a desabada dos investimentos públicos, num país que extrai muito dinheiro da população e dá preferência talvez exagerada a outros gastos. Vê-se, também, que a gestão pública da inserção privada muitas vezes deixa a desejar e, por fim, que há um claro viés contrário aos entes privados, como se pudéssemos nos dar o luxo de agir assim.
Gestão pública abaixo da crítica se viu claramente a partir de 2014, durante a terceira etapa do programa de concessões rodoviárias, quando, diante do desastre econômico que se observou e se havia mascarado em 2013 por causa das eleições, simplesmente se ignorou esse impacto nos contratos recém-assinados. Passados seis anos, restam cinco rodovias em fase de inanição.
Quando dos leilões dessa etapa, as empresas haviam sido levadas a trabalhar em seus cálculos com uma hipótese de forte crescimento do PIB, variável cuja evolução é tipicamente um risco da concessionária, quando, nos radares governamentais de informação mais acurada, já seria nítida alguma (ou muita) desaceleração da economia. Ou seja, para quem enxergava melhor o que viria a seguir (isto é, o governo), estava decretado que as empresas seriam induzidas a trabalhar com um alto risco de frustração de receita, praticamente sem jeito de passá-lo adiante.
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Em segundo lugar, trabalhariam com a hipótese de obtenção de financiamentos fartos e subsidiados, outro elevado risco que as empresas foram induzidas a assumir. Por sua vez, BNDES, Banco do Brasil e Caixa prometeram financiar até 70% dos investimentos a juros subsidiados, em contraste com os 45% que acabaram se verificando – e, ainda assim, com taxas de juros mais elevadas.
Outra promessa vã seria a concessão de licenças ambientais rápidas e satisfatórias, que até hoje não se materializaram. (Pelo menos esse movimento seria passível de reequilíbrio, até mesmo numa visão mais estrita.)
Ocorreu, ainda, forte aumento corretivo do preço defasado do asfalto após as eleições, insumo básico cujo preço é também administrado pelo governo, etc.
Saindo da ficção para a dura realidade – e sendo a maior e mais relevante frustração de todas –, registre-se a brutal queda de crescimento do PIB que efetivamente ocorreu, provocando a mais profunda e mais longa recessão vivida pelo Brasil desde o ano de 1900. No biênio 2015-2016, nosso PIB caiu não menos que 7,4%, quando toda a expectativa do investidor seria no sentido inverso, com crescimentos anuais da ordem de 3% ao ano. Considerando a forte correlação do PIB com os volumes de tráfego verificados nas rodovias, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) chegou a apurar frustrações entre 20% e 27% nas projeções das concessionárias. Nada parecido ocorrera de 1900 a 2014. Ou seja, mesmo que o governo tivesse mostrado neutralidade no processo, a baixíssima probabilidade de alguém prever tal evento atípico por si só justificaria o reequilíbrio do contrato.
E isso faria ainda muito mais sentido, se se demonstrasse que teria havido interferência do governo para criar cenários róseos irrealistas e, assim, induzir as empresas a encarar negócios de baixa rentabilidade, como pode ter ocorrido no caso nas concessões de 2013.
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O que se disse acima parece bem na linha da posição expressa publicamente pela ANTT, mas não parece, contudo, ser a posição de determinados órgãos federais de controle. Talvez tivessem em mente a aplicação do indesejável instituto da caducidade, cujas principais desvantagens o espaço limitado deste artigo me impede de detalhar, o que forçaria os atores privados a invariavelmente recorrer à Justiça, na falta de uma solução satisfatória.
Diante dos impasses, e da tendência de recorrer à Justiça, a solução se arrasta há quase três anos – e pode se arrastar por muitos mais, se houver a insistência nos processos de caducidade, tal que o País seguirá investindo muito abaixo do necessário e os usuários das rodovias seguirão sem usufruir das melhorias esperadas. Urge reequilibrar!
Fonte: “Estadão”, 11/04/2019