Com a intervenção federal no Rio de Janeiro, ficou sacramentado o naufrágio da reforma da Previdência no Congresso. Desde a versão inicial, há mais de um ano, o governo aceitou várias mudanças no projeto. Reduziu o tempo de contribuição para a aposentadoria integral, criou idades mínimas distintas para homens e mulheres, manteve aposentadorias especiais para professores, policiais e militares, excluiu da reforma o Benefício de Prestação Continuada (concedido a deficientes e idosos) e as aposentadorias rurais, deixou estados e municípios aprovarem reformas próprias, não mexeu em nenhuma aposentadoria já concedida e, na última volta do parafuso, desistiu das mudanças para funcionários públicos que entraram na carreira até 2003. Na tentativa de atrair apoio, acenou com benesses ao agronegócio, a manutenção dos reajustes do funcionalismo em 2018, a revisão das dívidas fiscais do comércio exterior e das micro e pequenas empresas, além de oferecer outros agrados de impacto orçamentário negativo – as economias ao longo de uma década caíram para bem menos da metade dos R$ 818 bilhões estimados inicialmente. Nem assim foi possível obter o apoio de três quintos dos deputados, necessário à aprovação de uma emenda constitucional. Nesta semana, o desfecho provável do impasse será a gaveta.
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É mais fácil mobilizar a oposição contra uma perda do que a favor de um ganho. Ainda mais quando a perda está restrita a setores organizados, enquanto o ganho – um bem comum, o sistema previdenciário estável – estará difuso por toda a sociedade. De acordo com Olson, isso resulta da diferença essencial entre motivações individuais e coletivas. Um indivíduo não entra num grupo, mesmo naquele que defende seus interesses, a não ser que seja coagido ou obtenha vantagem que supere o custo. “Um participante típico saberá que seus próprios esforços não farão muita diferença no resultado, e que ele será afetado pela decisão de qualquer forma”, escreve Olson. Quanto maior o grupo, portanto, mais difícil engajar participantes. “Como grupos pequenos com frequência se organizarão para agir em apoio de interesses comuns, e grupos grandes em geral não, o resultado da luta política entre vários grupos na sociedade não será simétrico.” A tendência, num regime de associação livre, é o menor vencer o maior.
O poder desproporcional de lobistas e grupos de pressão deriva, na verdade, não necessariamente de recursos financeiros, mas sobretudo de representarem poucos atores. Só que a sociedade não se restringe a grupos pequenos. Para deter a reforma da Previdência, atuaram também grupos maiores, que Olson classifica como “intermediários”, dependentes de incentivos ou coerção para sobreviver. É o caso da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), que conquistou espaço ao disseminar a falácia de que não existia déficit previdenciário – e, portanto, que a reforma não seria necessária. Tais ideias embasaram o relatório estapafúrdio do relator da CPI da Previdência, senador Hélio José, e reverberam até hoje nas redes sociais. Não é, contudo, a ação política da Anfip que atrai a contribuição mensal de milhares de associados, mas uma série de vantagens como plano de saúde, convênios e auxílios funeral, financeiro e jurídico. Assim também funcionam sindicatos do funcionalismo e associações de classe. Em contrapartida, diz Olson, os contribuintes “são um vasto grupo com interesse comum”, sem representação à altura. Ele não considera impossível resolver os dilemas da ação coletiva, desde que haja “empreendedores políticos” capazes. Mas, pela própria natureza dos grupos de pressão, o resultado jamais será satisfatório ou 100% justo.
Fonte: “Época”, 18/02/2018