Ingressamos numa fase da campanha eleitoral em que os candidatos a presidência já começam a mostrar os seus assessores econômicos que, por certo, acabarão ministros do chamado “núcleo duro” do governo. Neste amplo leque de formuladores de política econômica, alguns se denominam heterodoxos, se posicionando mais à esquerda do espectro ideológico, outros, ortodoxos, mais à direita, enxergando a necessidade de medidas mais austeras.
Neste debate, meio turvo às vezes, os heterodoxos partem da premissa keynesiana (será mesmo?) de que é importante estimular a demanda agregada, a economia, através do aumento dos gastos públicos, neste caso focados em investimentos. Parte-se daqui do pressuposto, errôneo ou não (vai de cada um), de que a economia impulsionada pelos gastos públicos passa a crescer mais, estimulando o produto e a renda e então uma maior arrecadação federal, importante para mitigar uma possível deterioração fiscal.
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Pelo lado dos ortodoxos, o setor público não deve ser o principal canal para estimular a economia, mas sim o setor privado, a capacidade de “destruição criativa” de Schumpeter. Ao governo compete manter um orçamento bem equilibrado, mais focado em necessidades básicas, como segurança, educação, na visão deles, não havendo razões para se investir em universidades públicas, por exemplo. Aqui o debate se desloca para o governo atuando como indutor dos investimentos privados, no chamado crowding in, e não tirando estes atores do processo de retomada.
Nas eleições, chama atenção, dentre os candidatos que gravitam mais dentro da retórica heterodoxas, apenas Ciro Gomes se mostra mais simpático, além de outros candidatos de partidos nanicos, como do PSOL e do PC do B, não passíveis de maiores considerações. Todo o resto, com nuances em Marina Silva da Rede, possui um discurso mais simpático à ortodoxia.
Além disso, os candidatos que lideram as pesquisas de intenção de votos, Jair Bolsonaro e Ciro Gomes, ambos possuem certo apelo populista, apresentando sempre soluções mágicas e de rápida execução para problemas complexos.
Sim, porque achamos que o presidente que for eleito não terá vida fácil. A agenda que se apresenta é pesadíssima, não por capricho, mas por urgência do momento. Quem assumir terá que enfrentar o desafio de uma Reforma da Previdência, já em atraso, pela evolução explosiva das chamadas despesas com benefícios, hoje em dia, na composição das despesas obrigatórias, em torno de 55% do total. No ano passado o déficit da Previdência chegou a R$ 268 bilhões e em 2016 a R$ 226 bilhões. Neste ano deve passar de R$ 270 bilhões. Ou seja, a trajetória do déficit é explosiva e se nada for feito aumentará ainda mais, o que acabará demandando dos governantes medidas mais extremas. Muitos consideram como inevitável no longo prazo a elevação da alíquota da Previdência no setor público e no INSS, dos 11% atuais para 14% ou mesmo 20% no cenário mais extremo.
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Na verdade, observando a cena política, em sinergia com a econômica, o que se vê são poucas ações efetivas para se seguir uma agenda ampla e complexa, tal o momento delicado que vivemos.
Tentemos resgatar então um novo consenso, tal o qual o formulado por John Williamson, em 1989, depois de presenciar o caos dos anos 80 (“década perdida”), quando várias políticas econômicas de forte presença do Estado e planos de estabilização heterodoxos acabaram resultando em mais inflação e desorganização das economias emergentes.
Foi daí que em 1989, Williamson, em reunião com vários economistas na Brooking Institution, em Washington, começou a formular uma agenda de medidas consensuais que deveriam ser adotadas para tentar mitigar os estragos causados pelas políticas irresponsáveis dos anos 80.
Considerava então, essencial para uma boa governança, uma lista de dez específicas reformas econômicas recomendadas aos países em desenvolvimento (emergentes) da América Latina.
Eram as seguintes: maior disciplina fiscal, com o Estado atuando de forma austera e disciplinada, visando um Orçamento equilibrado; direcionamento dos gastos públicos, com os investimentos direcionados para projetos que proporcionem retorno; uma ampla Reforma Tributária, visando simplificar a malha e desobstruir os canais de produção; a liberalidade financeira, abrindo os canais de financiamento externo; a adoção de um regime de câmbio flutuante; maior abertura comercial, com redução de tarifas de importação; a abertura da conta de capital; programas pesados de privatização de estatais; maior desregulação da economia e respeito maior a propriedade intelectual.
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Não devemos deixar de considerar que estes princípios não são garantia de estabilidade e ciclo de crescimento auto-sustentável no longo prazo, pois devemos considerar também a necessidade de uma agenda clara, dentro de um regime democrático, uma economia de mercado e o respeito aos contratos. Aqui cabe a indagação sobre como obter maioria no Congresso para que estas medidas sejam aprovadas, mesmo sabendo que muitas são desgastantes e impopulares.
Não esqueçamos nesta agenda, também, no caso brasileiro, a reforma da Previdência, a Trabalhista, a necessidade de um Banco Central independente, a definição de uma agenda de reformas microeconômicas, visando aumentar a produtividade, através da competição por melhores serviços, etc. Neste caso, cabe comentar sobre os canais de crédito, na redução do spread bancário, assim como na melhoria das relações contratuais da economia.
Isso tudo, no entanto, só é possível se houver um consenso na sociedade. Todas estas medidas, por mais complexas que possam ser num primeiro momento, fazem parte de debates permanentes nos principais países da Europa. Muitas já estão sendo aprovadas, mesmo que com desgaste. Lembremos do impasse na França de Emmanuel Macron, tentando aprovar a reforma Trabalhista, além do desgaste de Maurício Macri, na Argentina, tentando aprovar a da Previdência. Nada parece fácil, mas se não for colocado na mesa uma agenda fiscal, de reformas, ambiciosa, correremos o risco de andar em círculo e perder mais uma oportunidade de “tirar o país do buraco”.