A auditoria de contas públicas existe há séculos. Um auditor do Tesouro inglês já fazia isso em 1314. Com o término da monarquia absoluta na Inglaterra (1688), as contas do rei passaram a ser auditadas pelo Parlamento, uma novidade.
No Brasil, a Constituição de 1891 se inspirou na Carta Magna dos EUA para adotar o federalismo e o presidencialismo. Preferiu, todavia, o modelo da corte de contas da França para criar o Tribunal de Contas da União (TCU), dotado do poder de punir e corrigir. A auditoria americana, mais recente, nunca teve essa prerrogativa.
O TCU é vinculado ao Poder Legislativo, mas seus membros são ministros e vestem togas como se juízes fossem. Dois terços deles são escolhidos pelo Congresso, exigindo-se “notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública”. Nem todos preenchem esses requisitos. A escolha é frequentemente um prêmio conferido a aliados políticos. Os auditores do TCU, concursados, estão entre os mais capazes do serviço público. Conheço trabalhos seus de alta competência técnica. Diz-se que há conflitos entre eles e ministros quando recomendações técnicas podem desagradar a supostos correligionários.
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Por que avaliar políticas públicas
É escassa a competência técnica em tribunais de contas de estados. Nesses, faltam também práticas de boa governança. Recentemente, membros do tribunal do Rio de Janeiro foram presos por corrupção. Nos municípios, há tribunais de contas no Rio e em São Paulo. No país, é nessas unidades que a corrupção é mais endêmica. A fiscalização é uma calamidade. Caberia extinguir os dois tribunais e recorrer a auditoria privada, como em países desenvolvidos.
Há tempos se discute a forma de atuação do TCU. Decisões que suspendem a execução de obras e bloqueiam contas de empresas criam incertezas, provocam transtornos, elevam custos e retardam investimentos.
Tais contratempos poderão ser mitigados pela recente Lei Nº 13 655, de 25 de abril de 2018. Seu artigo 20 estabelece que, “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”.
Poder-se-ia agora rever a natureza jurídica do TCU, substituindo-o por uma moderna agência independente de auditoria, do tipo existente em países de tradição anglo-saxônica. Seria, contudo, uma saída de difícil aprovação.
Outra opção: rever a forma de atuação do Tribunal, consolidando a missão, que de certo modo já exerce, de avaliar o desempenho de políticas e programas governamentais. Essa, aliás, é uma tendência mundial. Os quadros do TCU estão aptos a contribuir, ademais, para aumentar a produtividade da economia, nos moldes da Productivity Commission da Austrália.
Caberia, enfim, rever a forma de indicação dos seus ministros e de membros de tribunais de contas estaduais e municipais. Todos seriam escolhidos entre especialistas, na forma como se designa a diretoria do Banco Central.
Essa é uma modernização que precisa ser feita.
Fonte: “Veja”, 25/05/2018