Em um ano recheado de surpresas na economia, o Banco Central resolveu entrar na brincadeira. Sua decisão de manter a Selic em 6,5%, em que pese uma probabilidade pequena, não era esperada pela maioria do mercado, nem devidamente sinalizada pelo próprio presidente do banco uma semana antes.
A decisão em si, mesmo trazendo prejuízos para diversos fundos de investimento que apostavam no contrário, não traz grandes consequências para a economia. 0,25 ponto percentual a mais ou ao menos nessa altura é quase irrelevante. Mas sua sinalização é o que importa aqui.
O BC foi um pouco torto na justificativa escrita na ata de que o que importa são os efeitos secundários do câmbio na inflação, ou seja, quando o câmbio começar a pressionar os preços que não são afetados de primeira, como bens duráveis, por exemplo. Esse espalhamento, de fato, tem que ser a maior preocupação do banco, mas segundo o BC ainda não estaria aparente nos números. Mas quando ele decide por parar de baixar a taxa e usa esse argumento, claramente, sua preocupação é evitar que esse espalhamento aconteça, mesmo que ainda não tenha começado a acontecer.
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Aqui o BC foi mais preventivo do que tudo, o que está na sua função de ser. E reforça a preocupação maior, que é a duração da pressão cambial. Por trás dos efeitos secundários do câmbio na inflação está a percepção se esse choque é mais temporário ou mais permanente. Paradoxalmente, um choque, que deveria ser temporário, pode ser longo se as condições de sua ocorrência permanecem por mais tempo. No caso brasileiro, tanto a incerteza externa (aumentos de juros americanos) quando a turbulência política (alta probabilidade de eleição de alguém fora do centro) devem ficar um bom tempo ainda conosco. Essa duração, que começa a ficar preocupante, fez o BC acender o sinal de alerta.
A situação em termos de apreensão é diferente de 2008, quando mesmo com a economia em forte aquecimento, a depreciação cambial pronunciada em nada pressionou a inflação, fazendo com que o BC também não agisse aumentando os juros. Dessa vez, a economia está saindo de uma recessão, mas o BC fez uma leitura um pouco mais preocupada justamente porque parte da instabilidade cambial é gerada aqui dentro e pode ficar mais tempo do que uma crise externa para o qual estávamos bem blindados.
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A situação também é diferente de 2002, em que pese a similitude com a instabilidade política. Naquele momento, as contas externas estavam particularmente ruins, com o nível de reservas internacionais próximo de 50 bilhões de dólares e um déficit em conta corrente elevado, situação contrária a que encontramos hoje. Estudos mostram que a indexação e o pass-through cambial naquele período eram mais elevados do que hoje, ou seja, um choque cambial em 2002 chegava mais intensamente na inflação do que agora, talvez fruto ainda do período recente do fim da hiperinflação e da saída recente do câmbio administrado e a volatilidade gerada depois de 1999.
A economia está mais robusta e a crise externa é bem mais fraca, o que nos distância assim de 2002 e 2008. Ao mesmo tempo, diferentemente dos dois momentos, a inflação está pra lá de comportada, com o IPCA em 12 meses em 2,8% e podendo aguentar muito “desaforo” ainda para piorar até o final do ano. Mesmo com uma volta forte da inflação de alimentos, que pode acontecer por conta de carnes, e dos combustíveis, ainda há espaço para acomodar o IPCA abaixo de 4% sem muita dificuldade. Alguns fatores como a economia fraca e preços mais acomodados de energia elétrica do que no ano passado podem ser contrapontos importantes às pressões altistas.
Por isso esse pequeno sinal do BC tende a ser visto como isso mesmo, apenas um leve sinal de alerta por ora e cuja leitura ainda cabe a manutenção dessa taxa por vários meses. Quantos meses vai depender do resultado da eleição. Reinventar a roda na economia dará margem para manter o câmbio pressionado e aí sim os velhos mecanismos de pass-through podem voltar a aparecer com mais intensidade. Nesse caso, o BC seria instado a ficar menos tempo em 6,5%. Vale dizer também que o processo inflacionário americano parece mais lento do que em outras épocas e a discussão sobre mais aumentos de juros ou não ficará presente por mais tempo do que no passado. A preocupação maior é com o crescimento dos salários, que por hora estão crescendo em ritmo lento, mas crescendo, tendendo a se tornar preocupante apenas em 2019. De qualquer maneira, pode ser verdade que boa parte do impacto da incerteza americana já possa ter sido precificado.
Resta assim a preocupação maior que é a política. Ela dará o tom do câmbio até a eleição e especialmente depois dela. A conjunção de candidatos com baixa capacidade política de arregimentação de votos no Congresso com alguns amplamente “revisionistas” poderá ser apreensivo para o mercado cambial ao longo de todo 2019. Dessa vez não mais pelas contas externas, mas pelo lado fiscal, que, esse sim, não aguenta mais “desaforos” em sua administração.
Fonte: “Exame”, 22/05/2018