O adiamento da votação do parecer do relator na Comisão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) é um transtorno corriqueiro no andamento da reforma da Previdência. Mas revela o tipo de dificuldade que o governo enfrentará.
Os partidos reunidos no bloco conhecido por Centrão decidiram impôr desde já mudanças no texto para apoiar a aprovação. Alterações significativas costumam ocorrer depois, quando na Comissão Especial que prepara o texto enviado a plenário.
O objetivo da pressão do Centrão – formado neste momento por PP, PR, DEM, PRB e Solidariedade – é obter espaço e poder no governo. A estratégia era, agora, impor apenas mudanças que não afetassem as economias totais previstas na reforma, de R$ 1,08 trilhão em dez anos, e deixar para diluí-las quando o texto estivesse na Comissão Especial.
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Mesmo assim, uma das propostas do Centrão envolve suspender de cara as mudanças previstas para a concessão do abono salarial, que representam uma economia de R$ 150,2 bilhões em dez anos, de acordo com os cálculos da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI). Com isso, o impacto total da refoma já cairia para R$ 922 bilhões, antes mesmo da Comissão Especial.
Como a previsão inicial do governo incluía economias com as pensões dos militares estimadas em R$ 92,3 bilhões, que o próprio governo se encarregou de reduzir para R$ 10,3 bilhões ao apresentar o plano de reestruturação da carreira, a diminuição em relação à expectativa de fevereiro passaria de 20% (de 1,17 trilhão para R$ 922 bilhões).
Na Comissão Especial, já é dada como certa a suspensão dos trechos relativos ao BPC (R$ 28,7 bilhões), aposentadoria rural (R$ 49,6 bilhões) e ao novo regime de capitalização. O impacto fiscal máximo da reforma, portanto, já pode ser estimado em R$ 844 bilhões, ou 72% do anunciado pelo governo em fevereiro (os números são todos da IFI).
Novas alterações são inevitáveis e implicarão uma redução ainda maior. Circulam pelo mercado números que vão de R$ 400 bilhões a R$ 600 bilhões, valores comparáveis aos previstos na reforma do governo Michel Temer que naufragou dois anos atrás.
As demais mudanças exigidas pelo Centrão para aprovar o texto na CCJ não implicam redução de economias, como a manutenção das regras do abono salarial. Mas revelam a habilidade política dos parlamentares para criar empecilhos ao governo, quando querem emperrar a tramitação.
Eles pretendem retirar do texto quatro itens:
-Fim do pagamento da multa de 40% sobre o saldo do FGTS na demissão de aposentados;
-Possibilidade de alterar a idade máxima da aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo por lei complementar (revogando na prática a PEC da Bengala);
-Atribuição exclusiva à Justiça do Distrito Federal da prerrogativa de julgar processos contra a reforma;
-Atribuição exclusiva ao Executivo da prerrogativa de propor mudanças na Previdência.
Nenhum desses pontos atinge a essência da proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes. Todos atrapalham a canhestra e incipiente articulação política do governo Bolsonaro. Em especial o segundo, que desmonta uma tentativa velada de acelerar a substituição dos ministros do STF, conferindo ao atual presidente um número de cadeiras superior ao que indicaria naturalmente.
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A dúvida agora não é se a reforma andará. Percalços são naturais na tramitação de qualquer projeto, ainda mais quando o governo se revela incapaz de construir qualquer base parlamentar. A dúvida é: se o governo entregar tudo isso na fase preliminar, que mais será necessário ceder na Comissão Especial?
As regras do jogo impõem duas restrições de ordem aritmética. A primeira são as economias obtidas, que parecem ter caído a 72% já antes do início da partida. A segunda é um imperativo categórico: a aprovação exige 308 votos na Câmara e 49 no Senado. A oposição tem 191 deputados e 21 senadores. Sem aqueles seis partidos do Centrão (148 deputados e 15 senadores), a reforma não passa.
Fonte: “G1”, 18/04/2019