Uma vez que a proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma previdenciária passe pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, será instalada a comissão especial que vai analisá-la e então começarão as audiências, que se estenderão por algumas semanas. No final do processo, o relator apresentará um substitutivo com modificações, que será submetido aos membros da comissão e, se aprovado, levado para exame do plenário, provavelmente em algum momento a partir de junho.
Não vou me alongar aqui acerca de quão importante é a aprovação da medida, tema sobre o qual o ministro Paulo Guedes tem se manifestado em todas as oportunidades que pode. O objetivo deste artigo é examinar qual a margem de negociação que existe para acomodar críticas e sugestões sem ferir a essência da proposta. O próprio ministro de Economia reconheceu em entrevista, em março, a este jornal que o governo está disposto a fazer algumas concessões, desde que não comprometam o objetivo de que, no fim, o ganho fiscal acumulado nos próximos dez anos continue sendo de pelo menos R$ 1 trilhão, lembrando que a proposta original contempla um número da ordem de R$ 1,2 trilhão. O que se segue são algumas sugestões que visam a esse duplo propósito de procurar atender às críticas legítimas que começam a emanar do Parlamento em relação a pontos específicos e, simultaneamente, preservar a maior parte da melhora fiscal a ser observada em relação ao cenário sem reformas. São quatro, me parece, os pontos de maior polêmica e ao lado de cada um deles procurarei indicar o que o governo poderia fazer no intuito de negociar maior adesão à medida, para alcançar o quórum dos 308 votos requeridos na Câmara.
O primeiro é o instrumento da capitalização. Ela começa a ser apontada como uma forma de “privatização da Previdência”, “tentativa de jogar o dinheiro dos velhinhos no cassino do mercado financeiro” e outras críticas que me soam como um exercício de teoria conspiratória em seu mais alto grau. A capitalização é uma ideia promissora a ser explorada, mas como, definitivamente, ela não é um ingrediente essencial da reforma, no limite, se isso suscitar muita controvérsia, o assunto poderia sair de pauta sem ônus nenhum. Para que o leitor tenha uma ideia, quem se der ao trabalho de imprimir a PEC verá que se trata de uma peça de 40 páginas impressas de texto, onde a capitalização representa apenas um par de parágrafos que, juntos, não alcançam sequer meia página. O tema, eventualmente, pode ser simplesmente riscado e a perda fiscal resultante disso seria nula.
O segundo ponto é o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Nesse particular, pessoalmente, não simpatizo com a proposta do governo, por duas razões. Primeiro, porque adiciona um elemento de gasto que hoje não existe (o “benefício fásico”) e, segundo, porque dá tratamento constitucional e remete depois para lei complementar o que hoje é matéria de lei ordinária. Nenhuma dessas situações me parece adequada. Para compensar esse gasto de R$ 400 para pessoas a partir de 60 anos de idade o governo propõe aumentar a idade de concessão do benefício assistencial pleno para 70 anos, o que provocou uma reação compreensível.
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Todos sabíamos que isso seria polêmico. Penso que há três alternativas aqui: 1) aumentar o valor inicial para R$ 500 ou R$ 600; 2) aproximar as idades críticas dos limites propostos de 60 e 70 anos para, por exemplo, 62 e 68, respectivamente; ou 3) particularmente a que eu preferiria, que seria, no limite, se o assunto gerar muito ruído, retirar todo o componente assistencial da PEC e manter o BPC como é hoje, sem mudanças. Isso diminuiria muito as tensões políticas e o efeito fiscal seria muito modesto.
O terceiro ponto são as mulheres rurais. E, aqui, devo reconhecer com franqueza que os críticos têm um ponto. O que eles dizem? “Se há uma diferença de três anos entre as exigências para homens e mulheres no meio urbano, por que no meio rural homens e mulheres têm a mesma regra?”. É um argumento lógico, difícil de rebater. Nesse caso, porém, há uma alternativa clara. Se a questão é de lógica, siga-se a lógica, então – mas para tal aumente-se um pouco a idade dos homens rurais. Se o governo decidiu reduzir a diferença de requisitos entre homens e mulheres de cinco para três anos, mas não eliminá-la, o País poderia adotar o mesmo princípio para os rurais, também reduzindo a diferença de cinco para três anos. Nesse caso, então, em vez de a idade requerida no final da transição para ambos os gêneros serem 60 anos, ela seria de 65–3=62 anos para os homens rurais e 62–3=59 anos para as mulheres rurais. Teríamos mulheres tratadas diferentemente de homens e rurais tratados diferentemente de quem se aposenta nas cidades. Seria restabelecida a lógica e não haveria perda fiscal, dado que a redução da idade das mulheres rurais seria compensada pelo aumento da dos homens.
O quarto ponto é a contribuição dos funcionários públicos. O argumento dos críticos é que a alíquota superior de 22% acima de R$ 39 mil teria caráter “confiscatório”. Tenho dificuldade de definir o que seria um “confisco”, mas não faz sentido correr o risco de surgir um problema no STF. A solução nesse caso é reduzir a alíquota marginal superior para a faixa acima de R$ 39 mil de 22 % para 19% e a da faixa de R$ 20 mil a R$ 39 mil de 19% para 18%. Para quem ganha R$ 39 mil, isso implica reduzir a alíquota efetiva de 16,8% para 16,3%, o que significa que a perda fiscal seria palatável.
Em resumo, o governo pode revelar boa vontade quanto aos pontos chave e, mesmo assim, ter uma perda inteiramente assimilável para chegar a um substitutivo com chances de ser aprovado em plenário.
Como diria o poeta, negociar é preciso.
Fonte: “Estadão”, 03/04/2019