Dada minha “militância” em favor da reforma da Previdência Social nos últimos 25 anos, seguidas vezes, nos últimos meses, fui defrontado com a pergunta de diversos jornalistas: “A reforma resolve o problema?”. Na sequência, muitas vezes vem a segunda pergunta: “Quando teremos outra reforma?”.
Não consigo responder a essas questões sem apelar para algumas estatísticas, referentes às tábuas de mortalidade do IBGE. Quando o país começou a debater mais intensamente a temática previdenciária, no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), o quadro de referência na época era o do final dos anos 1990, quando a expectativa de vida de quem estava vivo aos 60 anos era de viver até 78 anos, na média de ambos os sexos. Em contraste com isso, atualmente, na mesma idade, essa expectativa aumentou para 83 anos. O problema é que caiu a ficha do país, de certa forma, de que a expectativa de vida aumentou — mas não caiu a ficha de que ela continuará aumentando. E isso é fundamental para entender a resposta às questões acima colocadas.
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Infelizmente, na tramitação da Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo governo em fevereiro de 2019, caiu a ideia de colocar na própria reforma um mecanismo que minimizasse a necessidade de voltar a tratar do tema no futuro. De fato, a proposição original incluía os chamados “gatilhos”, que eram ajustes automáticos de certos parâmetros, sempre que a tábua de mortalidade do IBGE apontasse para um aumento da expectativa de vida acima de determinado ponto. Eles visavam justamente a dar flexibilidade ao sistema previdenciário, para adaptar o mesmo às mudanças demográficas do país. Ao cair essa medida no transcurso da PEC entre a proposta original e o substitutivo do relator, perdeu-se uma oportunidade de esse ajuste ser feito automaticamente, ao invés de demandar nova discussão legislativa em algum momento futuro.
O fato é que o que foi aprovado é uma boa reforma para o Brasil de 2020, mas provavelmente não será suficiente para o Brasil de 2030. Algo similar pode ser dito acerca de outra questão endereçada na emenda constitucional, mas também de modo parcial: a diferença entre gêneros. Ela era de cinco anos antes da reforma e cairá para três anos após um período de transição relativamente longo. O problema é que, se tomarmos como referência a idade de 60 anos, a expectativa de vida em média a essa idade é de 83 anos, sendo de 81 anos para os homens e de 84 para as mulheres. Uma diferença em favor das mulheres que vai na contramão do que define a Constituição e que leva aquelas a se aposentarem mais cedo. Mais ainda: cabe lembrar que, enquanto o contingente de aposentadas por tempo de contribuição era de 300 mil mulheres em 1994, por ocasião da estabilização da economia, ele é hoje de 2,1 milhões, ou seja, essa variável se multiplicou por um fator 7 — quando nesse período a população aumentou apenas 32%. Uma diferença de três anos, portanto, é exagerada face aos problemas que essa realidade demográfica cria em termos dos compromissos fiscais com aposentadorias, que continuarão onerando pesadamente as contas públicas pelo seu caráter precoce.
Os temas de uma futura reforma previdenciária serão os que ficaram de fora na reforma atual, quais sejam: convergência entre gêneros; aposentadorias rurais; e regras do benefício assistencial do LOAS. Por outra parte, quem passa muito tempo lidando com o tema aprende a lidar com os constraints políticos que cercam o assunto — e é óbvio que há uma fadiga compreensível com o tratamento da questão. Não haverá condições políticas de abordar uma nova reforma muito cedo. Em 2023, tudo indica que isso estará ausente do elenco de propostas de quem vier a governar o Brasil na ocasião. Como, ao mesmo tempo, apesar da reforma, a despesa previdenciária continuará aumentando, minha impressão é que o país terá que fazer ajustes paramétricos nas regras de aposentadoria em algum momento futuro. Meu palpite é que isso ocorrerá, provavelmente, em 2027.
Fonte: “O Globo”, 14/1/2020