Já era sabido que a proposta de reforma da Previdência inicial do governo não passaria ilesa pelo Congresso. Ficou claro que provavelmente será desfigurada, de acordo com uma pesquisa divulgada ontem pelo Instituto FSB, feita para o banco BTG Pactual.
Os pesquisadores ouviram 235 dos 513 deputados e 27 dos 81 senadores, respeitando a distribuição partidária e regional no Congresso. É uma amostra suficiente para avaliar a recepção de Câmara e Senado às ideias em circulação para as mudanças nas regras da Previdência.
No campo abstrato, congressistas de ambas as Casas apoiam a reforma previdenciária. São favoráveis, 82% dos deputados e 89% dos senadores. Mas esse dado se torna pouco relevante na hora em que mergulhamos nos detalhes das propostas do governo.
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Os três eixos principais da minuta de reforma elaborada pelo governo que vazou dias atrás não contam com os três quintos de votos necessários à aprovação. Se as proporções detectadas na pesquisas se repetirem nas votações do Congresso, será impossível atingir o patamar mínimo de economia desejado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, na casa do US$ 1 trilhão em dez anos.
Embora 93% do Senado e 69% da Câmara concordem com o estabelecimento de uma idade mínima nas novas regras de aposentadoria, apenas 11% dos senadores e 21% dos deputados são favoráveis à mesma idade para homens e mulheres.
A ideia de estabelecer uma idade única de 65 anos como condição da aposentadoria para todos, que consta da minuta inicial que vazou, é rejeitada por 61% dos deputados e 63% dos senadores. Será a primeira a naufragar durante a tramitação da reforma.
Mesmo a proposta do governo Michel Temer, que estabelecia um mínimo de 65 anos para homens e 62 para mulheres, seria rejeitada. Ela conta com apenas 37% de apoio na Câmara e 48% no Senado – aquém até mesmo da maioria simples, quanto mais dos dois quintos necessários à aprovação de uma emenda constitucional.
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Outro ponto rejeitado é a transição mais rápida entre os regimes antigo e novo. Enquanto a proposta do governo Temer falava num período de vinte anos, a minuta da equipe de Paulo Guedes reduz a transição para dez. Novamente, apenas 38% dos deputados e 48% dos senadores concordam com a ideia, apoio insuficiente para aprová-la.
O terceiro ponto que enfrenta dificuldades são as mudanças nas aposentadorias rurais e no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Ambas foram retiradas da proposta de Temer. Não à toa. A igualdade nas regras para aposentadorias rural e urbana é repudiada por 72% dos deputados e 67% dos senadores. Mudanças no BPC, como a desvinculação do salário mínimo, contam com apoio de 26% da Câmara e 41% do Senado, patamar outra vez insuficiente para aprovação.
Retiradas as três condições – mesma idade mínima para homens e mulheres, menor período de transição e desvinculação do BPC e das aposentadorias rurais do salário mínimo –, as economias previstas cairiam brutalmente. A proposta inicial de Temer falava em R$ 800 bilhões ao lomgo de dez anos. Depois das mudanças, esse valor caiu pela metade, se tanto. Algo parecido ocorreria com o trilhão de Guedes.
Para não falar na pressão de grupos de interesse para ficar fora da reforma, a começar pelos militares. O governo tem afirmado que incluirá as Forças Armadas, mas também que encaminhará mudanças relativas a elas por meio de outro projeto de lei. Os parlamentares rejeitam a ideia. Para 85% dos deputados e 78% dos senadores, os militares deveriam ser incluídos desde já.
De acordo com 69% da Câmara e 82% do Senado, a reforma deverá ser aprovada ainda este ano, provavelmente no segundo semestre. A levar em conta as respostas dos próprios congressistas, deverá ser uma reforma bem mais diluída que a desejada, talvez não tão diferente da proposta de Temer que aguarda votação no plenário da Câmara.
Se a economia de US$ 1 trilhão numa década já seria insuficiente para debelar a crise fiscal, dificilmente qualquer texto aprovado no Congresso terá o condão fazê-lo. O governo deveria desde já começar se preocupar com o pós-Previdência, com o momento em que as expectativas do mercado estiverem frustradas e a lua-de-mel tiver terminado.
Fonte: “G1”, 12/02/2019