O ano legislativo começou. Após os longos dias de recesso, o que se espera é a retomada da agenda de reformas, numa ansiedade que se divide entre o ritmo e a ordem de prioridade que será dada às reformas que já estão no Congresso Nacional e às outras que o governo promete apresentar nos próximos dias.
As três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que chegaram ao Senado Federal no final do ano passado precisam ser apreciadas e urgentemente discutidas e votadas. Uma delas até atende pelo nome de “emergencial”, tamanha a necessidade que se tem de que seus dispositivos sejam discutidos e aprovados rapidamente. Afinal, será essa PEC a responsável por definir um outro padrão fiscal, exigindo mais responsabilidade e zelo com os gastos públicos no âmbito do governo federal, mas principalmente por Estados e municípios em casos de emergência fiscal – situação em que se encontra boa parte dos entes subnacionais brasileiros.
No mesmo pacote estão a PEC dos Fundos e a PEC do Pacto Federativo. A primeira traz alguma flexibilidade (e racionalidade) ao já conhecido excesso de vinculações dos recursos públicos. São tantos fundos com tantos recursos carimbados, que ao final sobra dinheiro em alguns potes enquanto falta em outros. Como resultado, tem-se um descolamento entre as necessidades da população e a disponibilidade de recursos que gera, ao final, um grande desperdício de recursos em detrimento do atendimento de necessidades básicas lá na ponta, onde as demandas da população estão.
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Finalmente, a PEC do Pacto Federativo deverá iniciar sua tramitação ajustando expectativas. Ao longo de mais de uma década, revisar o Pacto Federativo era sinônimo de uma única coisa: distribuir mais recursos para Estados e municípios – obviamente sem nenhuma contrapartida. A PEC apresentada pelo governo parte de outro conceito – até porque, a distribuição de recursos já se deu, com a cessão onerosa garantindo um fôlego aos subnacionais no apagar das luzes de 2019 – e sem contrapartidas. Embora também acene com alguma descentralização de recursos (repartição das rendas do petróleo), a maior parte dos dispositivos dessa corajosa PEC, trata da maior independência – mas também de muito mais responsabilidade, por parte de Estados e municípios. Se aprovada conforme foi proposta, mesmo que não na sua totalidade, esse novo pacto federativo corrige boa parte das distorções e liberalidades que levaram ao colapso a grande maioria dos entes subnacionais brasileiros.
Mas há bem mais do que isso na fila do Congresso Nacional de 2020. Conforme promessa do governo, estão batendo à porta do Parlamento as propostas de Reforma Administrativa e de Reforma Tributária. A primeira finalmente coloca em pauta o debate fundamental da melhora dos serviços públicos e da eficiência da máquina. Antes tarde do que nunca! A segunda, agora mais tímida (e realista), deve focar na unificação dos impostos federais. Mas há também projetos de lei de extrema relevância em outras áreas, quicando ali na área e só esperando sua vez chegar: ainda no fiscal, o Plano Mansueto anda meio empacado e precisa ressuscitar pois as mazelas de Estados quebrados continuam aí.
Já se fala também em revisão do Regime de Recuperação Fiscal, mais um projeto de lei a atravessar, caso venha. No campo da política monetária e sistema financeiro, a independência do Banco Central parece um debate já maduro. Adicionalmente, a revisão da Lei de Recuperação de Empresas, a nova
Lei de Resoluções Bancárias e a nova legislação cambial são avanços institucionais muito importantes que precisam andar. No campo da educação, há o novo Fundeb, que travou com uma proposta inicial inviável e que agora deverá ganhar novos contornos. Finalmente, e não menos importante, há o novo marco do saneamento, urgente para um país que não consegue prover o mais básico dos serviços à grande parte da sua população.
Uma agenda cheia, sem dúvida. Para um Congresso reformista, acreditamos. Como no filme que inspira o título desta coluna – do qual apenas alguns leitores mais velhos se lembrarão, findada a adolescência, quiçá estejamos vivendo hoje o primeiro dia da nossa transição para um pais institucionalmente mais adulto. Se é realidade ou excesso de otimismo desta colunista, somente o andar das propostas do governo e o avanço da agenda legislativa de 2020 poderão dizer.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 4/2/2020