Bolsonaro é o próximo presidente e dele dependerão decisões cruciais para o futuro do Brasil. Dado que continuamos a viver todos no mesmo país e que a situação é grave, um bom governo Bolsonaro interessa a todos nós.
Em meio à troca de acusações e xingamentos que caracterizou a campanha, pouco ou nada se falou do abismo para o qual o Brasil se dirige se nada for feito para ajustar as contas do Estado.
Ainda não estamos quebrados, mas o aumento explosivo de gastos exigirá um esforço concentrado de ajuste fiscal. Os impostos já são altíssimos e aumentá-los apenas mataria a recuperação. O controle terá que se dar nos gastos.
A reforma da Previdência, além de justa para corrigir injustiças de nosso sistema (os privilégios do funcionalismo público) e a mudança demográfica, é uma peça essencial e inescapável desse ajuste.
Para a sorte do novo presidente, Temer e sua equipe econômica deixaram uma proposta de reforma pronta para ser votada no Congresso. Ela não é perfeita; já incorpora diversas acomodações —frutos da discussão com parlamentares— que atenuaram seus efeitos.
Reformas futuras serão necessárias, mas esta é o bastante para tirar o rombo fiscal do futuro próximo, e permitir que o governo enderece outras pautas importantes.
Afinal, ajuste fiscal é meio, e não fim em si mesmo. O Estado brasileiro precisa ter as contas em ordem para garantir a estabilidade da economia e realizar seus programas.
Sendo assim, a primeira prioridade do novo governo —ou, quem sabe, de negociações na Câmara mesmo antes do início do mandato— é a aprovação dessa reforma.
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O próximo Congresso será mais ideologicamente favorável a ela do que o atual —que poderia tê-la passado, não fossem os escândalos que envolveram Temer e atravancaram sua presidência desde 2017.
Não vai render grande popularidade, mas há um entendimento crescente de que ela é necessária.
Bolsonaro chega ao poder em meio a receios (na minha opinião, justificados) de que sua Presidência signifique uma piora na violação de direitos humanos e risco à democracia.
Ambas as frentes exigirão um posicionamento ativo do Judiciário, da mídia e da sociedade civil. E ambos os riscos se tornarão mais agudos se a crise econômica brasileira se intensificar. O caos econômico é o caldo perfeito para a tirania, como Maduro faz questão de nos lembrar.
Na agenda econômica, o governo Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes delineiam prioridades corretas (ao contrário de seu adversário derrotado, Haddad), ainda que sem muita segurança de que possa realizá-las. Não há por que perder tempo com ideias mirabolantes e projetos ambiciosos antes de realizar o básico, a lição de casa que já está preparada. Privatizações e reforma tributária —para as quais também não é necessário inventar a roda— são importantes, mas podem esperar um pouco mais.
Pautas mais puramente ideológicas e que movimentarão as paixões nacionais (Escola Sem Partido, armamento da população, questões de sexualidade e gênero) também podem aguardar. De preferência, para sempre.
Vivemos uma maré de otimismo do mercado que deve ser aproveitada. Se o governo não mostrar desde já comprometimento com o ajuste fiscal e com a reforma da Previdência, o otimismo irá embora e a vida piorará.
Bolsonaro tem, portanto, uma primeira oportunidade de mostrar que é mais do que a estridência ideológica vazia que caracterizou sua campanha.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 30/10/2018