Recentemente, debati com alguém sobre a superioridade dos mercados livres, em relação a outros arranjos econômicos, na geração de riquezas e aumento da renda e bem estar gerais. Horas tantas, meu interlocutor saiu com a velha falácia segundo a qual o problema dos liberais é sua arrogância e sua fé no conhecimento e na racionalidade humana.
Nada pode ser mais equivocado do que essa falácia tão comum. O verdadeiro argumento para o livre mercado não se baseia em suposições como conhecimento perfeito, ausência de comportamento irracional ou externalidades. Nenhum economista liberal, desde Adam Smith, fez tais suposições. Ao fim do debate, eu sugeri que meu oponente lesse o último livro de Hayek, “Arrogância Fatal”, em que o autor procura demonstrar exatamente o oposto daquilo que ele dissera. A propósito, há uma conhecida citação do austríaco que resume bem isso:
“A curiosa tarefa da economia é demonstrar aos homens quão pouco eles realmente sabem sobre o que imaginam poder projetar. Para a mente ingênua, que pode conceber a ordem apenas como produto de um arranjo deliberado, pode parecer absurdo que, em condições complexas, a ordem e a adaptação ao desconhecido possam ser alcançadas com mais eficácia descentralizando as decisões, e que uma divisão de autoridade realmente se estenda a possibilidade de ordem geral. No entanto, essa descentralização leva a que mais informações sejam levadas em consideração.”
A grande lição de Hayek aqui é que cada um de nós, individualmente, pode deter apenas uma quantidade infinitesimalmente pequena de conhecimento, cujo uso total é necessário para que qualquer civilização grande e próspera exista.
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Dada essa suposição sobre a difusão do conhecimento na sociedade, a defesa final de Hayek dos mercados não se apóia na visão de que uma inalcançável concorrência perfeita leva necessariamente ao melhor resultado no melhor de todos os mundos possíveis. Em vez disso, repousa na capacidade incremental de cada indivíduo de capitalizar seu próprio conhecimento parcial por meio de um sistema de trocas voluntárias.
Por outro lado, como nos lembram Mario Rizzo e Glen Whitman, “há poucas razões para acreditar que legisladores e burocratas se envolverão no tipo de formulação de políticas cuidadosa, modesta e baseada em dados que os paternalistas comportamentais imaginam. Sem conhecimento suficiente das preferências “verdadeiras” das pessoas, mas, mesmo assim, encarregados de criar “soluções”, os formuladores de políticas inevitavelmente encontrarão outras bases para fazê-lo. Mesmo quando não são manipulados por grupos de pressão, é provável que os formuladores de políticas confiem em regras práticas simples e em suposições injustificadas. Presumivelmente, eles compartilham os preconceitos comportamentais e cognitivos que os paternalistas atribuíram aos tomadores de decisão privados, embora não tenham os incentivos efetivos que estes últimos têm para corrigir suas próprias falhas. Consequentemente, argumentamos que os formuladores de políticas tenderão a promover alguma combinação de suas próprias preferências.”
Não é outra a razão por que, sempre que o governo, no lugar de zelar pela manutenção de um ambiente econômico atrativo aos investimentos, resolve interferir na dinâmica dos mercados, escolhendo campeões ou impondo à sociedade seus extravagantes “planos estratégicos” e “políticas industriais”, a economia perde um pouco da eficiência. Esses projetos ambiciosos costumam falhar, entre outros aspectos, porque os mercados se tornaram tão complexos que é absolutamente impossível predizer o resultado de bilhões de transações individuais, bem como os impulsos que geram as decisões e interações que culminam nestas transações. Para que alguém pudesse prever com alguma precisão o comportamento dos mercados, seria necessário conhecer cada pequena informação, dispersa de forma assimétrica entre milhões de pessoas.
Segundo a lógica básica dos liberais, os direitos de propriedade privada e o sistema de preços livres concentram os custos e recompensas nos indivíduos. A estrutura dos direitos de propriedade em cada sociedade altera os métodos e a maneira pela qual os objetivos de cada um serão perseguidos. Como Alchian diz, os indivíduos “redirecionam suas atividades à medida que procuram aumentar sua utilidade ou nível de satisfação de seus desejos”. Sob uma estrutura de propriedade privada, surgirá um padrão de posse de recursos adaptado às habilidades e talentos únicos. Alchian enfatiza que as pessoas diferem “em seus talentos como proprietários”. Eles têm diferentes habilidades para assumir riscos, tomar decisões sobre o que produzir, quanto produzir, o melhor método para produzi-lo, quanto investir na empresa, e quem deve ser empregado nos processos de produção e distribuição como trabalhadores e como gerentes. “Capacidade de propriedade”, ele conclui, “inclui atitude em relação a riscos, conhecimento das habilidades produtivas de diferentes pessoas, previsão e, é claro, ‘julgamento’.”
No livre mercado, como bem resumiu James Buchanan, “presume-se que as pessoas privadas, como consumidores, trabalhadores, investidores e empreendedores, tenham gostos, desejos e valores diferentes. E o mercado (ou a economia) representa a resposta institucional ou organizacional à necessidade de satisfazer simultaneamente esse conjunto múltiplo de desejos”.
Os dirigistas costumam argumentar também que os liberais, ao pregar soluções de mercado, são simplistas e idealistas. Afinal, problemas complexos exigem soluções complexas. Como nos lembra Don Boudreaux, entretanto, quando dizemos que as soluções de mercado são melhores e mais eficientes, esta é uma forma sucinta de dizer que não temos qualquer plano simplista e rejeitamos todo e qualquer modelo originado na cabeça de meia-dúzia de pessoas, ainda que muito bem preparadas e intencionadas. Estamos dizendo que somente uma instituição descentralizada, operando de forma competitiva e integrada pode ser confiável para descobrir e executar soluções suficientemente detalhadas e eficazes.
Já o intervencionismo, por sua própria natureza, inibe o interesse privado pelo planejamento, que é substituído pela planificação, executada por arrogantes burocratas, sob a absurda e virtualmente perturbada crença de que seus cérebros “especialíssimos” poderiam alcançar a onisciência e a onipresença de um Deus. Como resultado, o planejamento difuso do mercado dá lugar à concentração de poder, à ineficiência, ao desperdício de recursos escassos, aos privilégios de toda sorte e à corrupção.