O título é grande, mas o assunto é um só: estamos diante da última oportunidade, no horizonte das próximas décadas, para dar a guinada na educação. Depende da capacidade do poder público de aproveitar a janela demográfica que está em vias de se fechar.
Vamos aos dados. Nos próximos 12 anos, haverá menos 200 mil crianças em cada série escolar, e, até o ano de 2060, 800 mil a menos em cada série. Isso significa que vamos precisar de menos escolas, salas e professores. Nos próximos 20 anos, a maioria dos atuais professores estará aposentada – 80% do professorado são mulheres que gozam do benefício da aposentadoria precoce.
Há dois grupos de professores: os formados em pedagogia, focados na educação infantil e séries iniciais, e os formados em licenciatura, que se ocupam das séries finais e do ensino médio. Em comum, eles possuem um baixo nível de preparo, conforme revelado pelos dados do Enem. O Enem tem média de 500 pontos e desvio padrão de 100 pontos. O grupo de pedagogos formados em 2017 teve média de 490 pontos, e o dos licenciados, 510. Dificilmente se entra numa universidade federal, sem cota, com menos de 700 pontos – os cursos competitivos estão na casa dos 800 pontos.
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A evidência sobre qualidade da educação é incontroversa: o fator preponderante é o nível de qualidade dos professores. Nos países da OCDE, professores são recrutados entre os 30% melhores de sua geração. Países com educação estelar recrutam entre os 3% a 5% melhores.
Voltando às comparações: os professores nesses países estão acima da média de 500 pontos do Pisa. Já os brasileiros estão abaixo de 400 pontos. A evidência também demonstra que tipo de formação e diplomas adicionais são irrelevantes. Salários estão longe de ser o fator preponderante. Já um trabalho desafiador e ambiente adequado fazem parte do pacote de incentivos para atrair e manter bons professores.
Se quisermos formar um contingente de professores de qualidade, recrutados entre os 30% melhores de sua geração, esses precisarão estar acima de 650 pontos na Prova Brasil. Se quisermos formar um plantel de padrão internacional, nossos professores deverão estar acima dos 520 pontos do Pisa – perto de onde estão hoje 5% dos alunos brasileiros. Para caminharmos nessa direção, precisaremos começar a mudar a base de recrutamento.
A janela de oportunidade está se fechando – os próximos anos serão cruciais. Como aproveitá-la?
Comecemos pelo que não se deve fazer, ainda que essa ideias sejam hoje as predominantes: esperar uma transformação cognitiva do atual plantel via “capacitação”; estabelecer políticas uniformes para todo o país; criar normas, padrões, parâmetros e requisitos de qualquer natureza sem antes experimentar sua viabilidade em pequena escala, no mundo real; acreditar que as atuais faculdades de educação se transformarão em celeiros de excelência e fontes de inspiração para a revolução necessária. E, apresentar mais um “Programa Nacional do Agora Vai”.
Fazer o que, então? De novo, vale a experiência de outros países: avançar progressivamente e aprender com a experiência. Por exemplo, pouco mais de 300 municípios concentram mais de 60% dos alunos. No conjunto, não precisarão repor mais do que 20 a 25 mil professores por ano, nos próximos anos.
Alguns desses municípios poderiam iniciar processos progressivos de implantação de escolas com professores recrutados a partir de um novo perfil e de novas carreiras e incentivos. Não importa sua área de formação – o essencial é que dominem o conteúdo do que vão ensinar e que façam seus estágios em escolas que funcionam bem, sob supervisão de professores que também sejam “mestres” em seu ofício.
A experiência internacional mostra, sem ambiguidades, que o tipo de formação, nível de titulação e sistemas de certificação são muito menos importantes do que a qualidade acadêmica dos futuros professores e estágios probatórios rigorosos e adequados.
Esses processos deveriam ser acompanhados da implementação de uma nova rede escolar, com critérios que ampliem a eficiência. Concluir a municipalização onde isso ainda não ocorreu ajudaria a otimizar a rede. No caso dos Estados, a tarefa poderia se tornar ainda mais fácil se o ensino técnico profissionalizante fosse ampliado para pelo menos 50% do alunado e operado por instituições especializadas.
Tudo isso só poderia funcionar se o governo federal renunciar ao mau hábito de criar regras para Estados e municípios cumprirem, especialmente na área de pessoal. Por outro lado, poderiam ser realocados os recursos desperdiçados com os atuais cursos de licenciatura e pedagogia. Hoje existem mais de 1,5 milhões de alunos nesses dois cursos. Pouco mais de 200 mil se formam a cada ano, em um mercado que está encolhendo.
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A reforma da Previdência pode ser crucial para que Estados e municípios consigam respirar nas próximas décadas. A equipe do Ipea liderada por Cláudio Hamilton Santos estima que o déficit previdenciário dos Estados em 2018 foi de R$ 77,6 bilhões, e pelo menos 40% disso refere-se ao magistério. Os 2.080 municípios que adotam regime próprio possivelmente estão numa situação ainda mais comprometedora – e o quadro irá se agravar nas próximas décadas. Recursos do Fundeb não podem ser utilizados para pagar aposentados e inativos. Com ou sem Fundeb, esses recursos terão de sair de algum lugar. Aqui há espaço para ações que induzam Estados e municípios a criar novas e atrativas carreiras docentes.
Finalmente, o governo federal também poderia criar estratégias para lidar com a grande maioria dos atuais professores durante essas duas décadas de transição. Há experiências internacionais e evidências científicas abundantes que indicam claramente os caminhos a seguir. É mais ou menos o contrário de tudo que o MEC sempre fez – e que deu no que deu.
Fonte: “Valor Econômico”, 02/07/2019