Assim como vendedores de lampião e querosene se insurgiram contra a eletricidade, o cupim da burocracia será varrido pela eficiência tecnológica
É lugar-comum dizer que o Brasil precisa mudar. Nosso principal desafio é romper com o círculo vicioso da irracionalidade crônica e passar a impor uma lógica funcional para o desarranjo institucional estabelecido. Não dá mais para negar uma realidade que pulsa. Os sinais de exaurimento do modelo vigente são sensíveis e incontornáveis.
Comecemos pelos parlamentos, outrora referências de alta cultura e inteligência. Hoje, não mais conseguem fazer a reflexão crítica necessária aos complexos desafios da contemporaneidade. Já os governos, entre dívidas impagáveis e uma burocracia inorgânica, perdem capacidade de decisão e agilidade de resolução eficaz. Por sua vez, o sistema judicial, diante da invencível enxurrada de processos, tem extrema dificuldade em prestar uma jurisdição materialmente justa com celeridade. Enfim, os sintomas do presente impõem o dever de repensarmos as estruturas de poder.
Como bem aponta Tom Nichols em seu excelente The death of expertise, as soluções tradicionais não funcionam mais. Estamos a viver uma grande transformação em escala global com o surgimento frenético de novos players, negócios e possibilidades de futuro. Consequentemente, há em curso uma substantiva alteração das variáveis da equação do poder geopolítico. Daí a instabilidade dos tempos atuais.
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A inércia do atraso
Nesse mundo em mudança acelerada, não podemos mais incentivar o mau hábito da dependência estatal, da paralisia econômica e da agressiva implosão das contas públicas. Especialmente a partir do Estado Novo, desenvolvemos um cacoete de que tudo deveria passar direta ou indiretamente pelas bênçãos palacianas. Se em um período histórico de precária urbanização e incipiente iniciativa privada isso fez algum sentido, é hora de admitirmos que tal modelo de indução estatal acabou. Objetivamente, a tecnologia é a maior arma criada pela inteligência humana para atacar o monopólio e a excessiva burocracia de máquinas públicas fisiológicas, assistemáticas e ineficientes.
Por mais que as forças do atraso gritem contra os ventos do progresso, estamos diante de um jogo jogado. Assim como vendedores de lampião e querosene se insurgiram contra a eletricidade, o cupim da burocracia será varrido pela eficiência tecnológica. No todo, é incrível que, em uma época de progressiva desmaterialização da economia, agilidade de procedimentos, inteligência artificial e versatilidade dinâmica, o Brasil siga a investir em elefantes brancos e em bonecos de palha que custam muito para fazer muito pouco.
Nossa “estadolatria”, em vez de um ídolo, criou um monstro – um bicho feio, inchado e egoísta a seus próprios interesses. Por assim ser, antes de ser apto a pensar o Brasil e promover o bem comum em largo espectro, o Estado brasileiro ficou refém de profundas amarras classistas que se projetaram sobre gigantescas fatias do orçamento público, imobilizando-o.
Após quase morrer de inanição, o Estado respira com o auxílio de aparelhos. Ano após ano, vamos empurrando com a barriga como se a dívida pública pudesse tender ao infinito. Não pode. É hora de interrompermos esta estratégia perversa de comprometimento do futuro dos brasileiros. Chega de irresponsabilidade e populismo demagógico. É preciso, urgentemente, explicar às pessoas que os modelos legislativos do ontem são inaptos a regrar o hoje, além de impedir o progresso do amanhã.
Entre sonhos inatingíveis e possibilidades concretas, a vida ensina que só muda quem tem a coragem romper com hábitos vencidos, quebrando paradigmas ultrapassados. Estamos diante da fronteira de um novo mundo. Hora de romper com os bloqueios físicos, psíquicos e emocionais que caracterizam a pacata cidadania do velho Brasil. Uma democracia viva requer uma mentalidade criativa, livre e ousada, pois o mundo será dos não conformistas.
Fonte: “Estado de Minas”, 22/11/2017
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