O custo material, ambiental e, sobretudo, as centenas de vidas humanas perdidas na ruptura da barragem da mina da Vale em Brumadinho são irreparáveis. Mas essa é apenas a parte visível da tragédia. A invisível reside na incapacidade crônica, incurável, atávica de o Brasil aprender com a própria desgraça.
A catástrofe de Brumadinho ocorreu pouco mais de três anos depois de tragédia em tudo semelhante na mina da Samarco, em Mariana, também em Minas Gerais. Repete um padrão triste, criminoso e recorrente na relação do brasileiro com a segurança e o risco.
Basta lembrar que, em novembro passado, sete anos depois da queda de um pedaço da Ponte dos Remédios, na marginal TIetê, a prefeitura de São Paulo se viu obrigada a interditar outro viaduto que cedeu no bairro do Jaguaré, na marginal Pinheiros.
Ou que, em abril de 2010, três meses depois dos deslizamentos de terra que mataram 53 pessoas na Ilha Grande e mais de 200 no estado do Rio de Janeiro, centenas morreram em desastre semelhante que atingiu o Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, o Morro do Céu e o Morro do Bumba, em Niterói, onde casas construídas sobre um aterro sanitário vieram abaixo com as chuvas.
Ou ainda que, em maio passado, pouco mais de cinco anos depois do incêndio que matou 242 pessoas na Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, o fogo destruiu o edifício Wilton Paes de Almeida, no largo do Paiçandu, em São Paulo.
Por sorte, os bombeiros retiraram a tempo centenas de moradores que ocupavam irregularmente o imóvel e evitaram uma desgraça maior. Até hoje, ninguém foi punido pela tragédia da boate Kiss, que deixou nos sobreviventes um rastro de traumas e suicídios.
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A impunidade é um dos fatores críticos para entender o roteiro de filme de terror que se repete no Brasil. A atribuição de responsabilidades claras e a punição de culpados de todos esses homicídios contribuiria para reduzir o desleixo e o descaso com a segurança.
Mas resolveria? Talvez não. A tragédia no sentido original da palavra – problema insolúvel – parece intrínseca à alma brasileira. O mesmo otimismo que nos ajuda nos momentos de crise, a mesma crença irracional em que “tudo no fim vai dar certo” contribui para a leniência com o que pode dar errado.
Quantas casas noturnas funcionam sem condições de segurança pelo país, pondo em risco a vida de seus frequentadores, apenas porque seus donos desprezam as normas dos bombeiros, a burocracia da prefeitura?
Quantos brasileiros moram em condições precárias de segurança, em moradias sujeitas a risco de incêndio, deslizamento ou desabamento, só porque ninguém acredita que “pode acontecer aqui”, porque as próprias autoridades convivem com situações críticas?
Quantos viadutos ainda podem cair? Quantas barragens ainda ameaçam populações e áreas indefesas, apenas porque empresários desdenham as restrições impostas por autoridades ambientais como empecilhos a seus negócios?
Claro que nenhuma norma de segurança é perfeita. Há espaço para o azar. Mas a segurança não é supérflua. Não dá para atribuir só ao azar a sucessão de fatalidades provocadas no Brasil pela água, pelo fogo ou apenas pelo tempo, em pontes, viadutos, barragens e edifícios, sempre de modo recorrente.
É preciso investigar, é preciso ter leis duras, é preciso punir. Mas é preciso também que o brasileiro comece a entender, no fundo de sua alma, que nem sempre tudo dá certo, que a desgraça não atinge apenas os outros. Tragédias podem acontecer a qualquer tempo, em qualquer lugar. É preciso que aprendamos a preveni-las.
Fonte: “G1”