Um amigo, em tom de gracejo, disse nesta semana que o responsável pela retrospectiva de 2019 havia “pedido o boné”, dada a profusão de acontecimentos nestes primeiros três meses do ano.
Realmente, que ano intenso! Foram tragédias seguidas, em destaque o rompimento da barragem de Brumadinho (MG), as matanças numa escola pública em Suzano, na grande São Paulo, e o incêndio trágico nas instalações do CT do Flamengo, no Rio de Janeiro, ceifando a vida de 10 jovens promissores atletas do clube.
No “circo político” de Brasília, os eventos não foram menos bombásticos. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, assumiu já tendo que administrar uma crise em casa, com o filho, Flávio Bolsonaro envolvido num esquema na Assembleia Legislativa do RJ, de repasses de parte dos salários dos seus funcionários de gabinete. Pegou mal, pelas investigações, também, o fato de haver ligações deste com milicianos. Para piorar, logo nos primeiros dias de mandato, Bolsonaro acabou tendo que demitir Gustavo Bebiano, seu secretário geral, sob acusação de vazar informações de reuniões fechadas do governo para a imprensa. Isso acabou superdimensionado, depois de Bebiano se desentender com um dos filhos do presidente, Carlos Bolsonaro, o da comunicação do governo nas redes sociais.
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Tivemos também vários ruídos, nestes quase cem dias, derivados de variadas “bateções de cabeça” no Ministério da Educação, do Meio Ambiente e das Relações Exteriores. Claro que boa parte destas pequenas crises surgiram superdimensionadas pela imprensa, preocupada em minar o governo, mas um traço comum em boa parte delas foi o carregamento excessivo do tom ideológico. Não vale detalhá-las agora, mas parece-nos claro também estar acontecendo uma “guerra surda” entre o governo, principalmente pelo presidente, e parte da imprensa. Bolsonaro, ao assumir, já havia dito que avançaria na cobrança de dívidas das empresas jornalísticas e nos contratos de publicidade, tendo que passar por um “pente fino”, o que de certo acabou por desagradar alguns destes segmentos.
Não poderíamos deixar de lembrar também os vários ruídos gerados pelo presidente Bolsonaro, nas suas intervenções desastradas, como no episódio do Carnaval carioca, assim como observar seu deslumbramento na visita aos Estados Unidos e ao presidente Donald Trump, na nossa visão numa sucessão de pequenas “gafes diplomáticas”. Muitos consideraram esta viagem apenas um primeiro passo, um “descongelar” das relações. Novas portas devem se abrir mais à frente.
Na economia, o mercado de ações vinha, entre avanços e recuos, em clara tendência de alta, claro que na expectativa da reforma da Previdência avançar no Congresso. Os players resolveram ignorar as várias fofocas, advindas da agenda de costumes do governo e focar apenas no que interessa, a agenda de reformas e o ótimo nível dos formuladores de política econômica do governo, a começar pelo super ministro da Economia, Paulo Guedes. Neste contexto, a bolsa de valores, na semana passada, beirava os 100 mil pontos. Mas, a crise derivada da prisão do ex-presidente Temer, com forte repercussão nos mercados, deixou todos com as “barbas de molho”.
Sobre a reforma, a formulada pelo ministro Guedes até surpreendeu favoravelmente, por prometer ser abrangente, não deixando nenhuma corporação de fora. Foi criado um escalonamento de renda para servidores públicos e trabalhadores do INSS, a idade mínima acabou para todos e a transição considerada razoável. Agora surge o receio de como o Congresso irá “interpretar” esta “Nova Previdência”. Piora um pouco alguma fragmentação na base de apoio do governo.
Em seguida, acabou enviada no dia 20/mar a reforma dos militares, razoável na visão de muitos, mas desconfortável a reestruturação de carreira demandada. Reajustes de salários acabaram entrando no bolo, o que desagradou a todos. Possivelmente, este pacote dos militares acabará desidratado, o que consideramos uma decisão mais sensata.
Na nomeação do BACEN, Roberto Campos Neto como novo presidente, e sua forma de atuação, a sinalização é de que nada deve mudar de forma abrupta no direcionamento da política monetária, embora muitos acham haver espaço para novos cortes da taxa Selic, hoje em 6,5% anuais, dada o inócua reação da economia, ainda “de lado”, com os agentes na espera da reforma da Previdência.
Outras decisões vieram em paralelo, como o “pacote anti-crime” do ministro Sergio Moro, ironizado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, cioso por achar impossível dois projetos de vulto tramitarem juntos no Congresso. A resposta de Moro veio pelo esforço concentrado, dada a urgência do tema. Não sabemos como estas arestas serão aparadas.
Por fim, observamos que nestes quase 100 dias de governo, na chamada “Lua de Mel do início de governabilidade”, foram intensos os acontecimentos, o que, de certa forma, pode vir a atrasar a agenda da reforma da Previdência, esta sim relevante pela leitura do mercado. Muito já se fala num desfecho da reforma, não no primeiro semestre, como antes prometido, mas em outubro ou novembro. Dúvidas também surgem sobre a economia a ser obtida num prazo de 10 anos, não mais de R$ 1,1 trilhão, como queria Paulo Guedes, mas talvez entre R$ 600 bilhões e R$ 700 bilhões.
Para fechar o balaio, como diria William Shakespeare, ”o inferno está vazio e todos os demônios estão aqui.”