Essa questão me ocorreu montando uma apresentação sobre conjuntura. Pode parecer uma pergunta estranha, mas a verdade é que, pelo menos na economia — e em áreas correlatas, como a demografia — o Brasil de hoje é bem diferente daquele das últimas décadas. Comecemos pela inflação. Ela começou a subir nos anos 1940 e deu uma escalada na virada dos anos 1950 para 1960. No fim dessa década, caiu um pouco, para depois começar forte ascensão de meados para final dos anos 1980, quando começaram os planos heterodoxos. Entre 1980 e 1993, a inflação média no Brasil foi de 715% ao ano (a.a.). Em meados de 1994, veio o Plano Real e, em 1995, a inflação despencou para 22%, caindo para 6,7% a.a. na média de 1996-2015, uma grande conquista.
Pois bem, no triênio 2016-18, essa média caiu para apenas 4,3% a.a., a mais baixa média trienal desde os anos 1930. Essa taxa deve cair este ano para 3,5% a.a. e, a julgar pelas projeções coletadas pelo Banco Central, deve ficar em 3,8% a.a. na média do próximo triênio. Nada que destoe do padrão internacional.
O desequilíbrio das contas externas foi outra causa histórica de crises, por vezes nos levando ao FMI. O Brasil lidou com relativa facilidade com a piora das condições financeiras globais tanto em 2008-09 quanto em 2018. O câmbio flutuante se consolidou como a principal variável de ajuste. As elevadas reservas internacionais, por seu turno, atuaram para frear ataques especulativos contra o real, tranquilizando credores e investidores externos. E o país há vários anos registra baixos deficits em conta-corrente, que têm sido largamente financiados pelas entradas de investimento direto estrangeiro.
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Com o Acordo Mercosul-União Europeia, o país começa a romper seu histórico isolamento dos fluxos de comércio internacional. Dada a dimensão da economia europeia, é quase como se fizéssemos uma ampla abertura comercial. E os incentivos agora são para realizarmos acordos semelhantes com outros países, além de reduzir nossas tarifas externas, como o governo diz querer fazer no âmbito da tarifa externa comum do Mercosul.
As baixas taxas de juros são outra novidade. A imprensa sempre destacou estarem nossas taxas de juros entre as mais altas do planeta. De fato, em 2002-2016, o juro médio real de mercado (swap pré-DI de 360 dias), descontada a expectativa de inflação para os 12 meses seguintes, ficou em 8,2% a.a. Pois, nos últimos 36 meses, essa taxa caiu para 3,9% a.a. Atualmente, ela está em 1,7%. E os juros de política econômica no Brasil hoje em dia são totalmente compatíveis com o observado na média dos países emergentes.
A política fiscal também mudou completamente, com forte desaceleração na expansão do gasto público. As despesas primárias do governo central (União, INSS e Banco Central), que subiram em média 6,3% ao ano acima da inflação em 1998-2014, em 2015-18 tiveram alta média real de apenas 0,3% a.a. Também se colocou uma trava nas políticas parafiscais, reduzindo os subsídios creditícios transferidos via bancos públicos. Isso foi fundamental para derrubar a inflação e os juros. O que, por sua vez, vem reduzindo os juros pagos pelo governo na sua dívida.
A Emenda Constitucional 95, que criou o Teto dos Gastos, e a perspectiva de termos uma significativa reforma da Previdência, que passou no primeiro turno da Câmara, são outros avanços relevantes. Mais medidas fiscais serão necessárias, mas é possível começar a enxergar uma luz no fim do túnel, o que contribuiu para a acentuada queda do nosso risco país.
Obviamente, pode-se argumentar que essa é a metade cheia do copo, e que há também de considerar que temos 13 milhões de desempregados, uma taxa de investimento que não se recuperou da grande recessão de 2014-16 e que o crescimento econômico permanece teimosamente baixo. A boa notícia é que para superar esses problemas não é necessário, nem recomendado, que abramos mão dos avanços dos últimos anos.
Na minha leitura, o setor privado sofre de um processo de abstinência de incentivo estatal, agravado por um ambiente de negócios muito ruim. Refiro-me aqui, em especial, aos problemas com as regras tributárias, e o tamanho da carga, a má qualidade da infraestrutura, a elevada insegurança jurídica e a excessiva burocracia. Essas são as frentes em que precisamos focar para que o crescimento acelere e superemos nossas muitas carências sociais. O que não significa que não possamos parar um minuto para celebrar as conquistas dos últimos anos.
Fonte: “Correio Braziliense”, 31/07/2019