Ao insisitir em registrar a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva e em considerá-lo um “preso político”, o PT dificulta as chances eleitorais do partido.
Em virtude da Lei da Ficha Limpa, é ínfima a chance de o registro ser aceito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Haverá, portanto, uma guerra fratricida nos bastidores pelo espólio dos votos de Lula. Quem os herdará?
Em seu discurso antes de ser preso, Lula praticamente ignorou os candidatos naturais do PT. Fez uma menção protocolar ao ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. O ex-governador baiano Jaques Wagner nem estava lá.
Em vez disso, insistiu em valorizar os dois jovens presentes: Guilherme Boulos, do PSOL, e Manuela D’Ávila, do PCdoB. Nenhum dos dois partidos tem estrutura ou tamanho para vencer sem apoio formal do PT. O gesto de Lula não passa de um aceno inócuo, a não ser que o PT abra mão da candidatura própria, atitude impensável.
O candidato esquerdista com maior chance de herdar o espólio eleitoral de Lula também não estava presente: CIro Gomes, do PDT. Sua atitude diante da prisão tem sido ambígua. Ecoando a cartilha da propaganda lulista, diz que a condenação foi injusta. Mas se nega a considerar Lula um “preso político”.
Deverá visitá-lo em Curitiba para dissipar o mal-estar resultante da ausência no sábado. Mas mantém distância profilática. Pretende fazer uma campanha independente e tentar um acordo com o PT se chegar ao segundo turno.
O campo político que se uniria em torno de Lula estará dividido em pelo menos quatro candidaturas, entre elas o nome indicado pelo PT para substituí-lo (a lei permite mudar o candidato a até vinte dias da eleição).
A insistência na retórica da perseguição é o único trunfo que restou ao PT na campanha. Embora esse discurso inflame militantes e devotos do lulismo, não basta para convencer mais da metade dos eleitores. Radicalismo não costuma ser uma estratégia bem-sucedida numa eleição em dois turnos – ainda mais se a figura popular de Lula ficar de fora.
Leia mais de Helio Gurovitz:
Uma Rosa é uma Rosa é uma Rosa
Lula lá – mas por quanto tempo?
Lula diante da prisão
Na ponta dos adversários do PT, a fragmentação pulveriza as chances de Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, Marina Silva ou Joaquim Barbosa. Ainda assim, Marina ou Joaquim podem herdar parte dos votos de Lula.
E Jair Bolsonaro? Também, se adotar a posição correta na campanha. Até agora, o eleitor de Bolsonaro se concentra acima da classe média, entre os mais educados. Seu desafio é justamente conquistar o eleitorado tradicional do PT nas últimas eleições: os mais pobres. Segurança pública, combate à corrupção e o estilo linha-dura – temas que atraem a fidelidade da classe média indignada – também podem seduzi-los.
Num estudo clássico sobre o lulismo, o cientista político André Singer demonstra como Lula foi eleito em 2002 com o voto da classe média e só em 2006 trouxe para o PT o eleitor das classes baixas, antes fiel à retórica da “lei e ordem” propalada por candidatos como Paulo Maluf.
Diante das fraturas na esquerda, do naufrágio petista e da insistência na retórica vitimista que só convence os já convencidos, Lula pode agora ceder eleitores nas classes populares ao polo oposto no espectro político. Seria o movimento inverso ao constatado por Singer em 2006.
O espólio eleitoral de Lula não será necessariamente de quem o cerca nem de quem ele venha a apontar com o dedo. Será de quem souber fazer a melhor campanha para atrair o eleitor que vota mecanicamente no PT, hoje sem candidato.
Poderá ser Ciro. Poderá ser Bolsonaro. Os partidos maiores não oferecem nada tão atraente quanto o populismo. Não é à toa que ontem o dólar subiu, e a Bolsa, caiu.
Fonte: “G1”, 10/04/2018