Pelo que se ouve na campanha, não parece ter caído entre os candidatos a ficha da gravidade do problema fiscal no Brasil. Não faltam soluções simples, elegantes e completamente equivocadas para colocar as contas públicas em ordem. Já seriedade, compromisso com mudança e honestidade para comunicar à população a profundidade do buraco seguem como mercadorias escassas no mercado político nacional, postura que, se mantida, irá trazer sérios problemas para qualquer um que assuma o poder daqui a meros seis meses.
O governo, em suas três esferas, gastou no ano passado R$ 3,1 trilhões, equivalente a 47% do PIB; em 2010, o primeiro ano para o qual temos números comparáveis, o gasto era R$ 2,7 trilhões (a preços de 2017), ou 43% do PIB. A tendência de aumento persistente do gasto que se observou no período não é um acidente. Outros conjuntos de dados mostram que tanto o governo federal como suas contrapartes locais vêm aumentando suas despesas persistentemente, embora não pelos mesmos motivos.
No caso do governo federal trata-se principalmente da previdência, não só o INSS, mas também o pagamento de aposentadorias e pensões para o funcionalismo, que em 2016 atingiram 11% do PIB contra 9% do PIB em 2010.
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Já quando analisamos os governos locais, o cerne da questão é o funcionalismo, cujo custo chegou a 9,1% do PIB no ano passado, comparado a 7,8% do PIB em 2010.
Vale dizer, do aumento de 4 pontos percentuais do PIB das despesas a partir de 2010, 3,3 se originaram dos benefícios previdenciários e da remuneração de empregados, ou seja, mais de 80% do crescimento do gasto resultou de apenas duas contas.
À luz disso, o que se espera das equipes econômicas dos candidatos é que não só se pronunciem sobre tais assuntos como, de preferência, sinalizem o que pretendem fazer na área. No entanto, com honrosas exceções, nada se fala sobre a dinâmica de gasto crescente que requer alterações constitucionais consideráveis, só possíveis no caso de um mandato popular claro a favor delas.
Pelo contrário, o que se vê são mágicas: impostos sobre heranças (cuja estimativa de arrecadação é puro chute), caça aos desperdícios, delírios sobre o quanto o governo teria a receber de empresas há muito falidas, falatório sobre a dívida, sugerindo na prática um calote mal-disfarçado, mistificação sobre mudança do regime da previdência de repartição para capitalização sem dizer de onde viriam os recursos para bancar o período de transição, e outras cascatas do mesmo calibre.
É muito claro que falta aos que propõem estas bobagens coragem (quando não conhecimento) para dizer à população o tamanho da encrenca em que estamos metidos. É certamente mais cômodo fingir que basta vontade política e um tom de voz estridente para desatar o nó das contas públicas do que explicar a real natureza do problema e quão complicado será resolvê-lo.
Faz sentido para se eleger, mas aumentará exponencialmente a dificuldade de aprovar qualquer medida de peso na área fiscal porque lhes faltará o mandato popular para levar adiante o que não colocaram de forma clara ao eleitorado. Deveriam ter aprendido com o governo Dilma, mas definitivamente não se corrigem.
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Ciro Gomes volta a mentir quando afirma que 26% da dívida vence em quatro dias. Não sabe o que são operações compromissadas, ou, pior, finge não saber.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 27/06/2018