Em meados dos anos 70, quando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) oscilava em torno da hoje esquecida média histórica de 7% ao ano, os investimentos públicos totais alcançaram o pico de R$ 695 bilhões em valores de hoje. Já no ano passado, espremidos durante anos pelo tradicional modelo de ajuste fiscal, tinham caído a algo seis vezes menor, apenas R$ 118 bilhões, e o País não sabe quando se livrará da pior recessão de nossa história, pois muito dependerá da retomada dos investimentos em infraestrutura. E só não está pior porque em 1995 acordamos para a importância de estimular as concessões privadas, no princípio com bom desempenho, mas agora também penando, por vários anos de comportamento populista nessa área.
A outra face da mesma moeda foi que os gastos públicos correntes dispararam, criando novos e vultosos compromissos financeiros. A “Constituição Cidadã” extinguiu os impostos cativos da infraestrutura e deu ênfase à assistência social e à Previdência, trocando investimento por dívida para com vários segmentos da sociedade.
Na Previdência, o déficit no segmento dos servidores públicos se tornou gigantesco e insustentável. Para a União e Estados, esse déficit totalizou, em 2017, a marca recorde de R$ 172 bilhões, bem acima daquele (R$ 94 bilhões) que seria apurado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) se a recessão brava não tivesse ocorrido. E só tende a piorar nos próximos anos.
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Além do ataque ao problema fiscal do jeito certo, tarefa dos Executivos e Legislativos, estamos em meio ao maior combate à corrupção de nossa história, o que fortalece os já naturalmente poderosos Judiciário e órgãos afins. Ao mesmo tempo, o poder muda de mãos nos demais níveis de governo, com a provável participação de muitos dos atores envolvidos naquele lamentável processo, criando, portanto, uma situação difícil de administrar. Outro cancro é o da insegurança pública generalizada, que certamente fortalecerá a área militar federal, mais um segmento igualmente poderoso na família dos servidores.
Enfatize-se que a solução do problema fiscal e da falta de crescimento do PIB deve ser buscada exatamente na reorganização da Previdência pública, permitindo a retirada dos enormes déficits financeiros dos orçamentos públicos, para serem equacionados à parte em fundos de pensão, a exemplo do que já se fez com as grandes estatais federais.
Criam-se, assim, condições para que investimentos em infraestrutura passem a ocupar seu devido lugar na pauta de gastos, especialmente aqueles que, por uma série de motivos que não cabe aqui desenvolver, trazem alto retorno para o País, mas não conseguem atrair o setor privado.
Isso se fará zerando os respectivos passivos atuariais ao longo dos próximos 70 anos, mediante o aporte de novas receitas (ativos, etc.), na maioria inertes, e:
– transferindo gradativamente os servidores atualmente pagos pelos orçamentos públicos para esses fundos, à medida que forem ocorrendo novos aportes de recursos (inclusive por aumento de contribuições);
– retomando, no momento certo, o esforço de reforma das regras previdenciárias relevantes, para reduzir despesas;
– e amarrando o uso dos recursos poupados nos orçamentos, em lei, à expansão de investimentos rentáveis em infraestrutura.
Nesses termos, a tarefa como um todo tem benesses a oferecer em troca de sacrifícios. São elas: crescimento, Previdência sustentável e o fim da corrupção e da insegurança pública, em troca de ajustes complicados na área fiscal e da punição eventual de políticos tradicionais.
Mas exigirá um maestro especial, ou seja, alguém com reputação ilibada, que entenda perfeitamente o que está em jogo e seja afinado com os reais “donos do poder”, para liderar o processo de negociação com as partes afetadas, mas sem, obviamente, excluir o Congresso Nacional. Percebo que, nos “donos”, há crescente conscientização da natureza do problema e dos caminhos estreitos a trilhar. Falta apenas ir às urnas e escolher o maestro que dê conta do recado.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 13/09/2018