Como sucede em todos os fins de ano, pululam as discussões na mídia sobre perspectivas da economia para o futuro à vista. Mesmices dessas à parte, primeiro devemos voltar no tempo, chamando a atenção para o que não deve atrapalhar nossas tendências, o que conta a favor. O problema crônico que mais nos atazanou – alta escassez de divisas – não existe mais. Inflação alta, idem. Juros básicos fixados pelo Banco Central nas alturas, idem. Falta de uma reforma mínima na Previdência federal, idem. Cenário externo ruim, idem. Então, por que o nosso Produto Interno Bruto (PIB), depois de atravessar, em 2015-2016, o pior desempenho desde o século 19, continua patinando?
Em adição, o tema mais debatido – desajuste fiscal – tem várias reformas na fôrma para serem votadas, no centro de um sem-número de mudanças que o novo governo tenta implementar. Mas a mera expectativa de que muitas dessas mudanças passem no Congresso (algo cada vez menos provável) não parece suficiente até agora para alinhar expectativas em torno de uma firme retomada do crescimento.
Sem querer atribuir ao que vou dizer a seguir a causa única do maior de todos os males – PIB baixo –, insisto em chamar a atenção para dois problemas centrais mal equacionados até agora: a crise financeira estadual e municipal, centrada na Previdência, e a falta de investimento em infraestrutura, questões interligadas de cujo diagnóstico e respectivo equacionamento todos parecem passar ao largo na discussão pública. Creio ter chegado a hora de atacarmos esses problemas de frente, em que pese o grande esforço de reforma levado a efeito até agora pelo governo atual.
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São interligadas porque, se resolvermos a crise previdenciária, estaremos abrindo espaço nos orçamentos para mais investimento público. Deste, de alta complementariedade com o privado para fazer a economia crescer, não há como abrir mão, mesmo se eliminássemos o forte viés anti-investimento privado entranhado em nosso país. Quanto à inversão privada, discurso público em seu favor é uma coisa. O que se vê, na prática, é a alegação de autoridades que, nesse aspecto e na infraestrutura, há mais perpetradores de crimes que qualquer outra coisa. Se existem, devemos combatê-los, mas abrir mão de apoiá-los por presunção de falta de lisura é cruel demais para com o objetivo central, que é a geração de empregos. Cabe, ainda, salientar que a maior recessão de nossa história e o descumprimento de compromissos de financiamento oficial jogaram no chão várias concessões aprovadas na gestão Dilma, sem chance até agora de repactuar condições de contratos que ruíram por razões praticamente impossíveis de prever.
O ponto central pouco enfatizado na crise subnacional são os déficits recordes das respectivas previdências, e é curioso que muitos não percebam que déficits previdenciários gigantescos vêm se transformando em igualmente enormes “déficits orçamentários totais”, que vêm sendo ou serão registrados nos respectivos balanços anuais. Tendo herdado um gigantesco volume de atrasados (cerca de R$ 100 bilhões no final de 2018), começam a surgir notícias sobre atrasados de igual dimensão em termos anuais para o encerramento de 2019. Isso vai contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, que está virando letra morta.
Para resolver esse problema, teríamos de aplicar uma dura reforma de regras que se deveriam refletir nas projeções das contas previdenciárias subnacionais para os próximos, digamos, 70 anos, até agora inexistente, a não ser superficialmente, seguindo-se o aporte de ativos ao fechamento desta que é uma conta incompatível com a retomada dos investimentos e, portanto, do crescimento.
No curto prazo, os programas oficiais de salvação subnacional em vigor estão mortos ou nem nasceram direito, e, em adição, não fomos capazes de aprovar nem a aplicação automática às atuais gestões destes entes das mudanças requeridas na Previdência, até agora circunscritas à União. Resultado: onde deveríamos centrar os ataques estamos apenas bordejando…
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 12/12/2019