A sucessão de déficits previdenciários financeiros elevados e crescentes criou a necessidade urgente de se reorganizarem as previdências estaduais, com vistas ao equacionamento dos passivos atuariais respectivos (o mesmo que “saldamento”, ou “zeração”), com duas finalidades básicas em mente. Primeiro, para responder se a longo prazo há risco de ruptura financeira, ou de déficits financeiros impossíveis de serem sistematicamente cobertos por superávits não-previdenciários, a fim de se determinarem as providências cabíveis.
E segundo, para resolver o problema premente de um amontoado de atrasos de pagamentos a fornecedores, entre outros credores, nos demais segmentos do orçamento estadual, que se originaram, em boa medida, exatamente da necessidade de cobrir, prioritariamente, os altos gastos com benefícios previdenciários, num momento de escassez aguda de receita, como o em que ainda hoje se vive, sob a mais longa e profunda recessão de nossa história. Adicionem-se a isso, no caso do Rio de Janeiro, os efeitos da forte queda do preço externo do petróleo que teve lugar até meados de 2017. Na falta de equacionamento desse amontoado de atrasados, num ano que é o último dos atuais mandatos, dificilmente a grande maioria dos governadores conseguirá ficar em dia com a exigência da LRF de que não haja transferência de atrasados de um mandato para o seguinte. Ou seja, impõe-se também um tratamento de curto prazo para o mesmo problema.
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É fato, para o ajuste de longo prazo e com base em medidas já aprovadas (como o fim dos institutos da “integralidade” e da “paridade”, e a abertura da possibilidade de se criarem fundos de contribuição definida para quem ganha acima do teto do INSS), que em algum momento relativamente distante do futuro os déficits previdenciários estaduais se transformarão em superávits, passando de uma fase de saldos negativos seguidos para outra de resultados sistematicamente superavitários. Só que, como não dá para esperar tanto tempo, impõe-se a adoção de medidas de ajuste de alcance mais rápido, como o aumento de contribuições, ou a destinação de receitas menos convencionais. Citem-se, como exemplo, as derivadas do aporte de ativos, incluindo os recebíveis da “dívida ativa”, onde uma lei complementar que visa a consolidar a legislação sobre seu uso se encontra em fase final de tramitação na Câmara Federal, tudo isso há muito amparado pelo que se contém nos artigos 40 e 249 da Constituição Federal, entre outras medidas atípicas. De tal forma que, tendo demonstrado que há condições de zerar o passivo atuarial, fará todo o sentido securitizar ou antecipar o ingresso dos recebíveis para ali direcionados, junto aos mercados financeiros, a fim de fazer face a gastos incapazes de serem cobertos com as receitas correntes da previdência, em momentos, como o atual, difíceis de administrar pelas vias convencionais.
Caso os mercados financeiros estejam fechados para entes públicos em dificuldade financeira aguda, a desejável antecipação do ingresso das fontes previdenciárias cativas, como a resultante da cobrança da dívida ativa, poderia provir dos próprios fornecedores submetidos a atrasos de pagamento, em troca da liquidação das dívidas decorrentes de atrasados e, até então, sequer reconhecidas propriamente pelas autoridades. Melhor receber seu dinheiro de volta em uns cinco anos do que nunca. A sequência de operações seria, então, a seguinte. Primeiro, o estado liquidaria, em dinheiro, as dívidas em atraso com os fornecedores. Em troca, estes investiriam, por, digamos, cinco anos, os mesmos recursos em “debêntures de dívida ativa” emitidas, com esse mesmo prazo, por entidade ligada ao fundo estadual de previdência. Os mesmos recursos seriam utilizados, ao final, para pagar a despesa com os inativos, mas agora não mais no âmbito de um orçamento inviável. O Estado em causa já teria transferido pessoas (ou “vidas”, na linguagem da área), do orçamento tradicional para o fundo de previdência em processo de equacionamento atuarial, com custo anual idêntico ao valor da securitização de dívida ativa retro mencionada.
Fonte: “O Globo”, 11/06/2018