Provavelmente, em algum momento haverá um debate sobre a reeleição. Mesmo sabendo que se trata de um tema polêmico, trago aqui aos leitores elementos para reflexão que podem ser úteis para cada um cotejar com outros argumentos. Não se trata de um assunto em relação ao qual haja um lado “certo” e o outro “errado”. Há bons e legítimos pontos de vista tanto em apoio como de crítica ao instrumento. Portanto, o melhor é comparar e avaliar quais são os que parecem mais sólidos.
Penso que se o período presidencial fosse de cinco anos, a reeleição poderia ser eliminada. Há, porém, obstáculos que não me parecem triviais, na prática, em relação a essa possibilidade. Primeiro, os deputados são eleitos por quatro anos, o que significa que haveria um descasamento de prazos ou o mandato dos deputados duraria um tempo maior que o atual. E segundo, mesmo que os futuros mandatos de todos sejam de cinco anos, o problema é o atual mandato de oito anos de parte dos senadores, o que significa que se em 2023 começássemos com novos senadores, antes das eleições gerais posteriores em 2027, em 2026 teríamos que eleger dois terços dos senadores, tendo eleições então dois anos seguidos. Não há solução simples.
Politicamente, a questão principal em oposição ao fim da reeleição é a situação dos governadores e prefeitos. Todos aqueles que foram eleitos pela primeira vez são candidatos naturais a tentar a revalidação do mandato e, na prática, serão uma força contrária à tentativa de mudar as regras do jogo.
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Economicamente e dado o ponto acima, a pergunta que se coloca é: faz sentido para o país ter um debate enorme sobre o tema, com tantas coisas a aprovar no Congresso, correndo o risco de dissipar energias com algo que não vai mudar nenhum dos problemas do país?
Filosoficamente, se o presidente no exercício do cargo é contra a reeleição, não há nada que o obrigue a concorrer, bastando para isso que não se candidate de novo.
A questão principal, porém, tem a ver com o que entendo que são as falhas da argumentação dos que se opõem ao instrumento, com os argumentos a seguir:
1) “Rejeição da população”. A ideia é que o país estaria convencido de que a aprovação da reeleição teria sido um erro. Me parece que é um argumento que fere a lógica: em todos os casos posteriores à aprovação da mudança (1997), quando a população foi chamada a opinar, o presidente foi reeleito: isso aconteceu com FH, com Lula e com Dilma Rousseff. Portanto, cem por cento das vezes em que a população foi chamada a opinar acerca de se reelegia ou não o presidente, a reeleição venceu. É algo eloquente.
2) “Uso da máquina”. O argumento é que o governo utilizaria abusivamente a máquina pública para o presidente se reeleger. Ora, governos querem vencer. Não lembro uma utilização mais massiva do arsenal de elementos com os quais conta uma administração para eleger um candidato que a eleição de 2010, quando Lula fez de tudo para eleger Dilma, justamente quando ele não podia ser candidato. A discussão aqui é sobre regras de conduta e independe de quem é o candidato.
3) “Decisões eleitoreiras”. A tese é que quando o presidente não precisa se reeleger, ele governa pensando na história e, quando precisa se reeleger, adota decisões populistas. Soa como “lorota”. Em 2007, Lula não precisava mais se reeleger, tinha mais de 60 % de popularidade, tudo na mão para aprovar uma reforma da Previdência e não fez nada, exatamente porque tinha um plano em mente para eleger o sucessor três anos depois. Já Temer, que não iria ser candidato, não conseguiu aprovar a reforma da Previdência em 2017/2018 porque, após vencer as duas tentativas de impeachment no Congresso, ficou sem a expectativa de poder que o cargo dá quando o presidente tende a se reeleger.
Em resumo, se o presidente Bolsonaro não quiser ser candidato em 2022, basta um anúncio nesse sentido. Não creio que o melhor para o país seja mergulhar num debate exaustivo acerca da questão, com tantas reformas cruciais a serem debatidas.
Fonte: “O Globo”, 07/05/2019