Artigo escrito pelo leitor Gabriel Wilhelms
Se considerarmos o período em que a reforma da Previdência está no vocabulário popular, isto é, desde o governo Temer até a recente aprovação esmagadora em primeiro turno na Câmara, constatamos que é um assunto que se arrasta há anos. Se considerarmos a necessidade de uma reforma, que já se fazia presente muito antes de Temer colocar a questão na ribalta, então a coisa é mais dramática ainda, o que torna a urgência da aprovação mais evidente.
Digo isso para dizer que não há quem, com justiça, possa acusar os proponentes e articuladores da reforma de apressar a discussão. O assunto foi debatido exaustivamente e ainda está sendo. A discussão há um bom tempo não é mais de “se”, e sim de “como”. Não se discute se há ou não déficit. Há déficit, ao contrário do que diz a propaganda dos terraplanistas econômicos. Reconhecendo o problema, e qualquer um familiarizado com a matemática básica o reconheceu, restava definir como seria feita a reforma.
É aí que entram aqueles que trato por oportunistas, que vendo enfraquecidos seus argumentos anti-déficit, logo antirreforma, resumem em síntese sua postura politiqueira e anti-pobre: “Sou a favor da reforma, mas não desta que está aí”. Há gente repetindo essa lorota há vinte anos, sempre que se aventou reformar o sistema previdenciário. Claro que como não poderia deixar de ser, nunca propuseram nada ou deram contribuição relevante para o assunto.
Por vezes isso se revela em um discurso ainda mais radical, abertamente antirreforma e em prol de tão somente uma reforma do sistema tributário, com os fetichismos costumeiros de se taxar grandes fortunas e heranças como panaceia para tapar o buraco das contas públicas. É uma besteira monumental. O foco de qualquer país que já reformou sua previdência sempre foi o de estabelecer uma idade mínima, postergando o momento em que o governo terá que desembolsar esses pagamentos, ao mesmo tempo em que aumenta o período de contribuição, quando não aumentando as próprias alíquotas de contribuição. Contribuições sociais e quaisquer outras fontes de receitas que possam vir a alimentar a previdência são secundárias, nunca são o ponto nevrálgico de uma reforma do tipo. Portanto, achar razoável manter um sistema em que há gente se aposentando aos 45, vivendo até os 80, e que tudo se resolverá tributando os mais ricos, aumentando o nível de tributação de tempos em tempos, ignorando conceitos como a curva de Laffer (cedo ou tarde o aumento da carga tributária causaria um efeito recessivo, paradoxalmente diminuindo a arrecadação), os demais gastos públicos como educação, saúde, segurança, e contando com a passividade dos tributados em manter seu soado dinheiro em terras tupiniquins, é coisa de gente que acredita em unicórnios.
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Notem que tanto o texto do relator quanto os destaques aprovados até o momento alteram muita coisa da proposta original. Sim, em muitos casos as mudanças representam uma economia menor, ou são injustas e produto de lobby sindicalista. O próprio presidente resolveu, nos últimos minutos do segundo tempo, atuar como representante de classe e clamou para desfigurar sua própria reforma, beneficiando policiais federais e outras categorias de segurança pública. Faz sentido um policial federal ter uma idade mínima de aposentadoria de 53 anos se homem e 52 se mulher? Não, não faz, do mesmo modo que não faz uma professora se aposentar aos 52 enquanto a faxineira da escola se aposenta dez anos mais tarde, ou o professor aos 55 enquanto um pedreiro terá que aguardar até os 65 anos.
Isso significa que o texto não deve ser aprovado? Não. Democracia é isso. Seria impossível um projeto como esse deixar todos 100% satisfeitos com cada ponto minucioso. No Congresso há diferentes vozes e interesses representados. Claro que as faxineiras e pedreiros deste Brasil varonil não têm o mesmo poder de lobby que certas castas do funcionalismo público. E não pensem que aqui as bancadas de esquerda atuaram para sanar a desigualdade do sistema. De uma bancada de 54, votaram a favor de regras mais brandas para policiais 48 deputados do PT, todos os 32 do PSB, 24 dos 27 do PDT, todos os 10 do PSOL e todos os 8 do PCdoB.
Os 131 votos contrários foram esmagadoramente de partidos de esquerda – só o PT representou 41 por cento dos votos no não. Houve rebeldes, dentre os quais Tabata Amaral, do PDT de Ciro Gomes, foi a mais notória. Apesar do partido ter fechado questão contra a reforma, 8 dos 27 deputados votaram a favor. Do PSB, que também fechou questão, 11 de uma bancada de 32 votaram contra a determinação do partido.
Estes entram para a história como os que abraçando um terraplanismo econômico, no qual muitos sequer acreditam, votaram contra os pobres e contra o país. Contra isso podem mostrar gráficos comparando como “era” e como “vai ficar” tentando provar o ponto de que o povo sai perdendo. Ora, claro que “vai ficar” menos palatável do que “era”, porém com um custo social muito menor, afinal, se nada fosse feito, o risco era o tesouro se transformar em um grande fundo de pensão, sem dinheiro para saúde, educação, com juros e carga tributária elevadíssimos, inflação galopante e prováveis cortes, parciais ou mesmo totais nos valores recebidos pelos beneficiados.