O presidente eleito Jair Bolsonaro fará bem para seu governo e para o país se desistir da ideia de fatiar a reforma da Previdência. Essa mudança é elemento chave para evitar a insolvência do Tesouro Nacional.
Sem a reforma, o novo governo tem pouco ou nenhum futuro. Ausente a medida, a relação entre a dívida pública prosseguirá sua trajetória explosiva. Em algum momento, os que investem em papéis do Tesouro perceberão o risco de calote e fugirão para outros ativos, inclusive no exterior.
O efeito desse fracasso seria uma grave crise de confiança, a volta da inflação sem controle e o fim das esperanças de que o Brasil volte a crescer. Haveria piora do desemprego e da renda dos trabalhadores. A impossibilidade de atender às expectativas dos eleitores, formadas na campanha eleitoral, atingiria gravemente a popularidade do presidente, prejudicando as condições de governabilidade.
A reforma proposta pelo presidente Michel Temer está sob exame do Congresso. Pode ser retomada pelo próximo chefe do governo ou substituída por uma nova, para o que existe um excelente estudo conduzido pelo economista Paulo Tafner e financiada pessoalmente pelo ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga.
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O mito da reforma política
Não dá para entender o que o presidente eleito Jair Bolsonaro quis dizer com a ideia, por ele exposta ontem, de “fatiar” a reforma. Se a explicação for a de que ele tentará aprovar a medida por etapas, começando, como disse, pelos privilégios, estará adotando uma estratégia equivocada.
Reformas da Previdência constituem tema polêmico em todo o mundo. Consomem preciosas parcelas do capital político do chefe do governo. Por isso, têm que ser buscadas em um único projeto, que contemple o maior número de pontos merecedores de aperfeiçoamentos ou mudança.
O presidente Maurício Macri, da Argentina, tentou uma reforma previdenciária “fatiada” e se deu mal. A mudança por etapas resultou em desperdício de capital político nas várias tentativas. Houve frustração de expectativas dos investidores e do mercado financeiro como um todo, o que contribuiu para criar a crise e obrigou o país e recorrer ao FMI. Foi preciso aumentar brutalmente a taxa de juros para evitar fugas de recursos para o exterior.
Além desse risco, a reforma fatiada levaria tempo excessivo para sua aprovação final, o que terminaria por atropelar a agenda de outras reformas, particularmente a tributária, a qual, assim como a da Previdência, exige emenda constitucional.
Se não desistir da ideia de “fatiar” a reforma da Previdência, restaria ao presidente convencer a opinião pública, em especial o mercado financeiro, de que sua estratégia levará ao melhor caminho para reformar o insustentável regime previdenciário do Brasil. Até aqui, está difícil entender.
Fonte: “Veja”, 05/12/2018