As votações na noite de ontem demonstram que o relatório do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) para a reforma da Previdência deverá ser aprovado hoje na Comissão Especial da Câmara. Com isso, estará aberto o caminho para que seja votado em plenário na semana que vem, antes do recesso parlamentar.
Os cinco requerimentos que pediam adiamento da votação foram rejeitados ontem por 35 ou 36 votos. O bloco favorável ao andamento da reforma é, portanto, mais que suficiente para garantir a maioria de 25 votos necessários à aprovação na comissão.
Em sua nova complementação de voto, Moreira retirou a última referência aos estados e municípios que restava no texto da reforma (leia aqui a comparação das versões). A possibilidade de contribuições extraordinárias do funcionalismo foi mantida apenas para servidores da União. Fracassou o acordo para oferecer condições mais brandas de aposentadoria a policiais federais, rodoviários, ferroviários e legislativos.
Vencida a etapa da comissão, a dúvida recai sobre o plenário. Enquanto o presidente Jair Bolsonaro fez pressão (em vão) para garantir as regalias aos policiais, a prioridade do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é trazer de volta ao texto da reforma a obrigatoriedade de que estados e municípios tenham, caso não aprovem reformas mais rígidas, de cumprir as mesmas regras estabelecidas para o funcionalismo federal.
A imposição foi retirada do texto por pressão dos deputados de estados do Nordeste, avessos a arcar com a impopularidade associada a mudanças nas aposentadorias. De olho nas eleições municipais do ano que vem, preferem que o desgaste da iniciativa caiba aos governadores.
Leia mais de Helio Gurovitz
O show do trilhão da Previdência
O valor do acordo Mercosul-UE
STF acerta ao manter Lula preso
Para os governadores, da oposição, a reforma traz um dilema. Em público, são contrários à iniciativa governista, qualificada de ataque contra os mais pobres (exatamente o contrário do espírito da reforma). Em privado, sabem que a obrigatoriedade os ajudaria no reequilíbrio fiscal dos estados. A grande maioria já desrespeita os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal – e não haverá como ajustar as contas sem reformar as previdências regionais.
Maia parece confiante em que, no plenário, seja possível chegar a um acordo para recolocar a obrigatoriedade no texto. Mas as mesmas resistências que se manifestaram na Comissão Especial continuarão presentes lá. Não haverá acordo sem concessões.
Entre as já feitas estão as regras aprovadas para os novos leilões de petróleo do pré-sal, com mais recursos para estados e municípios, a autorização para repassar dívidas estaduais no mercado (securitização) e o novo projeto do governo para recuperar a saúde fiscal dos estados, conhecido como Plano Mansueto.
Até agora, nada disso convenceu os resistentes. A verdadeira questão é que a economia nordestina é mais dependente do dinheiro federal. Aposentadorias e pensões funcionam quase como um programa social. Não há como evitar o custo político das mudanças que dificultam as regras de acesso. Nenhum político quer ficar com a conta.
Deixar a questão a cargo das assembleias estaduais apenas adia o problema. Não há garantia de que as reformas serão feitas, nem de que serão eficazes. É baixa a chance de que, por conta própria, estados e municípios se imponham condições duras, capazes de garantir o reequilíbrio fiscal.
Sem parâmetros nacionais, como os estabelecidos na reforma, o mais provável é que façam reformas insuficientes. Ou que nem façam e, daqui a pouco, voltem a estender a mão pedindo ajuda ao governo federal. Sem incluir os estados, com todas as concessões já feitas por Moreira, o impacto da reforma nas contas públicas cai quase à metade.
Fonte: “G1”, 04/07/2019