A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como um “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não, simplesmente, a ausência de doenças ou enfermidades”. Essa definição, portanto, abrange todas as resultantes das interações entre o aparato biológico humano individual herdado geneticamente dos antepassados com as ações, organizações e instituições humanas (sociais) também herdadas dos antepassados, mas em constante mudança.
Decisões e ações humanas em interação com o aparato biológico produzem efeitos que sociedades definem como saudáveis ou patológicos. Efeitos estes que devem ser evitados ou potencializados. A figura 1 tenta representar isso.
Figura 1. Determinantes sociais: modelo de DAHLGREN e WHITEHEAD
Segundo algumas crenças, “saúde” seria um direito e uma obrigação dos indivíduos ou grupos. Tal compreensão é uma negação político-ideológica da compreensão de que saúde/doença é produto de interações humanas com seus meios, independentes de sistemas políticos. Não obstante, implica a presença dos governos na totalidade da vida humana individual ou grupal. A Constituição Federal de 1988, por exemplo, afirma que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”.
Pesquisa de opinião publicada pela Confederação Nacional de Indústria em 2018 afirma que o “percentual de brasileiros que avalia a saúde pública ruim ou péssima passou de 61% em 2011, para 75% em 2018”. Também demonstra que três em cada quatro “concordam que políticas preventivas são mais importantes para melhorar a saúde da população do que a construção de hospitais” (A).
Segundo a mesma pesquisa, as principais queixas dos usuários dos serviços públicos de saúde referem-se à dificuldade de ser atendido (37%), à falta de estrutura (15%); falta de médicos (9%) e má administração/corrupção (9%). Não é a primeira, nem será a última pesquisa que demonstrará que o modelo CF/88 não é eficiente, nem efetivo da perspectiva que importa: dos indivíduos pagadores de impostos e suas famílias.
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Em contrapartida, o Banco Mundial identifica que o gasto total com saúde no Brasil é de 9,1% do PIB, sendo que 42% deste total é gasto público. Apesar da proporção de gasto de tributos em saúde ser menor do que a média da OCDE, projeções do próprio Banco indicam que as despesas do Sistema Único de Saúde – componente estatal do sistema nacional de saúde brasileiro -, chegarão a R$ 700 bilhões em 2030. Valor este que equivale em um ano à economia a ser realizada pela reforma da Previdência em 10 anos (B).
Há 30 anos o componente estatal do sistema nacional de saúde vem criando modelos mentais, práticas e regras que precisam ser reformadas. Direcionar mais recursos tributários para financiar os serviços públicos de saúde e manter o modo de funcionamento e de relacionamento com a sociedade, inclusive a iniciativa privada, é condição necessária, nem suficiente, para que as necessidades da população neste setor sejam atendidas. A realidade o demonstra.
De acordo com Gustavo Franco, o sistema político e a tecnocracia produzidos em nossa sociedade tem preferência por tributar em excesso e em regular, “o que traz para hoje o desafio de reforma como rotina. Precisávamos acordar de manhã pensando em como fazer melhor aquilo que fazíamos ontem” (C).
É necessário que que a sociedade se questione, à luz destes 30 anos de existência de Nova República e de seu desdobramento sanitário, sobre se o modelo de oferta de serviços de saúde brasileiro é eficiente e adequado em relação às demandas da população e de seus principais segmentos. Creio que alguns pontos são fundamentais nesta necessária reforma:
1) Desconstitucionalização de modelos de operacionalização e financiamento dos serviços de saúde;
2) Revisão crítica dos marcos legais do SUS, sob a ótica da especialização, descentralização e responsabilização;
3) Estabelecimento explícito, em lei, das responsabilidades de cada ente da federação na oferta de serviços de saúde e na formação de pessoal;
4) Revisão das relações público-privadas com o intuito de criar relações sinérgicas e complementares entre as iniciativas governamentais e as iniciativas privadas;
5) Rever o modelo de financiamento público atual onde a União arrecada e o município executa, no sentido da descentralização e responsabilização;
6) Avaliar criticamente o papel da União (Ministério da Saúde) na coordenação do sistema nacional de saúde brasileiro, bem como sua estrutura e tamanho, no sentido da especialização de funções, descentralização, desburocratização e simplificação.
Referências
(A) Retratos da sociedade brasileira, 44. Saúde Pública: avaliação da saúde pública é ruim e vem piorando. https://bucket-gw-cni-static-cms-si.s3.amazonaws.com/media/filer_public/18/7f/187f1473-2603-4b06-a8a1-070486293e98/retratosdasociedadebrasileira_44_saude.pdf
(B) Propostas de Reformas do Sistema Único de Saúde Brasileiro. http://pubdocs.worldbank.org/en/545231536093524589/Propostas-de-Reformas-do-SUS.pdf
(C) https://www.institutomillenium.org.br/factiva/nosso-desafio-e-pensar-em-reforma-como-rotina/