Bolsonaro enfrenta um dilema não trivial: rejeitar a articulação política para eleger-se e engajar-se nela para aprovar sua agenda é como trocar a roda com o carro andando. Não se trata só de tomar consciência da importância da negociação, como querem alguns analistas. Ele foi eleito devido a sua rejeição da barganha legislativa. Renegar seu discurso de campanha tem custos importantes.
Há estratégias que podem reduzi-los: delegando a articulação política e minimizando sua visibilidade política, já discutido aqui. E isso está sendo feito nos bastidores.
No caso da Previdência, a delegação é explícita: Paulo Guedes tornou-se “o dono da reforma”, eximindo o chefe do Executivo de incorrer diretamente nos custos concentrados de uma reforma impopular.
Bolsonaro não é o único a não querer arcar com eles: parlamentares e governadores de estados da oposição fazem o mesmo. Mas foram ameaçados com a exclusão. Como afirmou o presidente da comissão especial: “Os governadores têm que calçar a sandália da humildade e vir para cá dizer assim ‘olha, nós não temos coragem de fazer, nós queremos pedir aos deputados que façam por nós’. É isso que eles têm fazer humildezinhos”. E foi o que fizeram.
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Embora acarrete custos concentrados, a reforma da Previdência conta com apoio inesperado devido à composição da Câmara e do Senado que tem representação empresarial inédita. É ela que tem dado sustentação ao protagonismo recente dos chefes das casas legislativas na reforma tributária e da Previdência.
Pensar a relação Executivo-Legislativo como jogo de soma zero é incorrer em grave equívoco. Não há duas agendas no que se refere aos temas fiscais e macroeconômicos. Assim a maior parte do texto da reforma tende a ser aprovada não devido à articulação do Executivo, mas porque conta com apoio majoritário.
Mas, claro, vários partidos jogam estrategicamente: seu voto sincero é por reformas, mas sua estratégia é mostrar relutância. A lógica é a do hospedeiro e parasita: este nunca mata o primeiro, mas extrai dele o maior benefício possível.
Há assim coesão razoável em torno da reforma, embora a disciplina partidária seja baixa devido à inexistência de uma coalizão de apoio estável. Enquanto a primeira refere-se à taxa de similaridade de posições programáticas, a segunda diz respeito à capacidade das lideranças imporem as preferências partidárias, que será essencial para a aprovação de outros itens da agenda presidencial.
As virtudes da coalizão estável aparecerão ao tratar-se de temas sobre os quais os parlamentares são indiferentes ou têm preferências distintas das do Executivo. E principalmente quando o governo estiver sob ataque.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 10/06/2019